O que a quarentena revela a seu respeito?
Em tempos de reclusão prolongada que hoje decorre da pandemia que enfrentamos, é muito fácil notar as mais distintas reações emocionais manifestas pelas pessoas, na tentativa de enfrentar o longo período de isolamento que vivemos e, pior, que seguirá adiante.
Muitos, de alguma forma, afirmam se sentirem felizes pelo fato de as rotinas exaustivas do cotidiano, tão pesadas de serem enfrentadas, estarem subitamente suspensas, dando a impressão de se viver um tipo prolongado de férias. Esses, inclusive, já pensam nos cursos online que poderão ser feitos, além de rara oportunidade de obter um descanso merecido.
Outros, um pouco menos otimistas, entendem que o tempo a frente trará importantes desafios emocionais e econômicos a serem superados e, de maneira legítima, permanecem mais cautelosos, vivendo um tipo de compasso temporal, à espera de alguma nova informação, enquanto que, finalmente, um terceiro grupo entende que a restrição imposta, na verdade, é um pesadelo sem precedentes a ser manejado, trazendo desorganização pessoal e grandes doses de angústia (estou excetuando aqui as pessoas que sofrem em decorrência das preocupações econômicas reais e do convívio nos espaços muito reduzidos).
Assim sendo, a quarentena da covid-19, no final das contas, tem demostrado grande vigor quando o assunto é evocar, no imaginário e na vida psicológica das pessoas, reações emocionais impactantes e, o pior, para muitos, expondo as dificuldades de se lidar com o estresse.
Ocorre que a vida cotidiana, da maneira que a conhecemos hoje, nos oferece um estilo de vida sem precedentes, pois é preenchida completamente por número expressivo de atividades que nos absorve e nos distrai completamente do convívio com nossas emoções. São exercícios e academias lotadas ao raiar do dia, trânsito frenético, excesso de contas e de atribuições laborais e acadêmicas, desafios autoimpostos e, claro, em muitos casos, uma família a ser assistida.
De tempos em tempos, quando momentos agudos nos atingem, como a morte de alguém, a perda de um emprego, uma doença, conseguimos vagamente despertar da letargia existencial na qual nos encontramos. Entretanto, a pandemia que estamos vivendo nos está oferecendo uma oportunidade única de vermos nossas engrenagens emocionais em pleno funcionamento, aquelas que, muitas vezes, tanto nos esquivamos de olhar.
Usando uma metáfora, é como se a energia elétrica do carrossel da vida fosse repentinamente interrompida, deixando-nos no ar, agora sem as ilusões do movimento e das luzes de encantamento dos brinquedos da vida.
E vai aqui uma pergunta: O que você acha que esse momento lhe revela?
Vou lhe dizer que revela algo bem simples, mas, ao mesmo tempo, muito profundo.
Eu explico.
Essa interrupção da vida deixa transparecer aquilo que, da maneira mais honesta possível, todos nós somos do ponto de vista mais visceral possível, isto é, a falta da energia também paralisa a ilusão, aquilo com o qual estamos nos distraindo ao longo da vida e que, possivelmente, damos pouca atenção ao que realmente importa.
Vamos de novo.
Se somos visitados por uma ansiedade, um tédio incomensurável ou qualquer reação que não faz bem ao ser colocado em contato com a quietude, muito provavelmente é porque a vida que estamos levando não tem nos abastecido de experiências verdadeiras e significativas, fazendo do vácuo temporal da paralisação do cotidiano uma terrível experiência, ao trazer um insuportável reflexo em nosso espelho psicológico mais profundo.
Aristóteles, em 322 a.C., já tinha essa mesma preocupação, ao indagar qual seria o único fim ou propósito final da vida, algo que não daria lugar a nenhuma outra coisa por trás. O nome dessa palavra em grego é εὐδαιμονία (escrevemos "eudaimonia"), que significa alcançar as melhores condições possíveis para o ser humano -em todos os seus sentidos -, e não apenas na obtenção da felicidade, ou seja, ao procurarmos desenvolver objetivo maior de se viver.
Muitas pessoas, em meu consultório, quando indagadas a respeito do sentido da vida – na verdade, eu adoro lançar essa pergunta desconcertante -, respondem categoricamente "ser feliz". Eu, prontamente, replico dizendo que, para mim, por exemplo, comer batatas fritas ou pizza me faz muito feliz (como uma série de outras coisas), entretanto, eu não sei se "floresço" ao fazê-lo –utilizando aqui uma expressão emprestada da botânica.
Acredita-se no mundo moderno que a "felicidade" esteja muito próxima ao conceito de "sucesso", todavia, "florescer" relaciona-se muito mais a uma ideia de transitoriedade, isto é, uma espécie de ênfase no processo, muito mais do que no produto final.
Assim, para que uma tranquilidade psicológica possa ser alcançada, efetivamente, precisamos fazer o nosso papel e, portanto, concretizar, da forma mais pura, todos os nossos potenciais.
Se a reclusão do novo coronavírus e a mudança súbita de rotina tem lhe deixado atônito, perdido ou confuso, ousaria dizer que você não tem "florescido" como realmente deveria.
Eu sei, não é simples, mas eu lhe digo, precisa ser pensado com muita seriedade.
Não deixe a vida passar. A covid-19, no final das contas, é uma poderosa provocação a essa reflexão.
"Você não é produto das circunstâncias, você é produto das suas decisões", Viktor Frankl.
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