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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Congestionamentos causam estresse e até aumento da pressão arterial

Dr. Cristiano Nabuco

11/03/2019 11h08

Crédito: iStock

Um dos maiores impactos que a vida moderna nos oferece diz respeito ao tempo gasto nos deslocamentos cotidianos. Pouco estudado até então, sabe-se que as horas despendidas nos engarrafamentos afeta, de maneira significativa, nosso bem-estar emocional, trazendo consequências devastadoras à qualidade de vida de cada um.

E o pior: aquilo que era uma característica exclusiva das grandes metrópoles, na verdade, hoje começa a ser notado também nas cidades de menor dimensão.

Um estudo menos atual, conduzido no Nepal, apontou que a tensão experimentada nos congestionamentos é, na verdade, uma receita ideal para que possamos sofrer os conhecidos "colapsos nervosos".

Gastar tempo demasiado nos deslocamentos foi associado a maiores níveis de sentimentos de nervosismo e tensão, dor e rigidez física, irritabilidade e fadiga, e o pior –claro, sempre há algo pior –, menor desempenho e satisfação no trabalho. Assim sendo, os congestionamentos e a superlotação do trânsito intensificam todos esses efeitos, tornando-se um processo extremamente tóxico e perigoso à nossa saúde.

Achou que acabava por aí?…

Errado. Descobriu-se também que, decorrente dessas experiências, houve um aumento da pressão arterial, maior incidência de distúrbios musculoesqueléticos, redução da tolerância à frustração e, finalmente, um aumento expressivo da hostilidade e raiva, apontou o estudo.

Algumas pessoas, descrevem os pesquisadores, engajam-se em atividades paralelas –uma forma alternativa de encontrar um tipo de antídoto emocional para a exaustão — e assim, para não perder o controle, procuram se distrair. Não é raro, portanto, vermos pessoas com fones de ouvidos ou consultando, de maneira compulsiva, suas redes sociais.

Claro, vamos fingir que tudo é apenas derivado do puro e simples trânsito, sem qualquer outro elemento adicional. Não vamos pensar que existem os motoristas egoístas que jamais lhe darão passagem, motoqueiros enlouquecidos buzinando, ônibus tirando "finas" de nosso carro, um calor de 35 graus (ou muita chuva) e, claro, a fumaça dos caminhões (se você tiver "a sorte" de ocupar  seu próprio veículo). Caso utilizemos transportes públicos, vamos também pensar positivamente, ou seja, que os trens e ônibus são novos, funcionam perfeitamente e são confortáveis, há locais para todos, possuem climatização e, claro, não atrasam.

Ironias à parte, mas, obviamente, são incontestáveis esses elementos que aumentam a tensão. Além disso, o estudo constatou que as pessoas que passam, de maneira repetida, por essas experiências, relatam altos níveis gerais de estresse, baixa satisfação com a vida, maiores níveis de desesperança, menor sensação de apoio social e, finalmente, um estilo de resolução de problemas, em relação ao cotidiano, menos construtivo, se comparado às pessoas que não passam por esse tipo de situação.

Obviamente que nosso empenho e motivação no trabalho, no final das contas, também serão sacrificados, assim como os níveis de tensão que, certamente, serão levados, igualmente, para casa, no final do dia.

O estudo observou também que as pessoas que passavam muito tempo presas no trânsito chegavam em casa mal-humoradas e desgastadas, com pouca energia física ou emocional, diminuindo os níveis de participação da vida familiar, amizades e atividades que envolviam outros relacionamentos.

"Você se sente fora de controle, não tem opções", relata David Wiesenthal, professor de psicologia da Universidade de York, que estuda o estresse em motoristas.

À medida que nosso carro desacelera, nosso ritmo cardíaco aumenta, a respiração se intensifica e a pressão arterial dispara. Os motoristas ficam mais irritados e têm uma tendência maior de se comportar de maneira agressiva, aumentando as chances de comportamento rude, gritando, fazendo gestos obscenos e ultrapassando perigosamente outros carros, ingredientes perfeitos para a velha conhecida "raiva nas estradas" e no trânsito. (3)

Custo oculto

Um estudo bem mais recente, conduzido nos EUA, vinculou o tráfego a resultados negativos não apenas na saúde mental daqueles que passam horas no trânsito, mas, inclusive, junto àqueles que não sofrem diretamente com o problema.

Eu explico.

A nova investigação apontou também para um aumento inesperado na violência doméstica.

Descobriu-se que o tráfego extremo aumenta significativamente a probabilidade de violência doméstica em aproximadamente 6%. E mesmo que não fosse uma experiência rotineira, ou seja, mesmo após tráfego intenso "inesperado", maiores eram os casos de violência doméstica que fora registrada. (4)

Conclusão

Seria importante que as autoridades estivessem atentas a esses problemas e, inclusive, as empresas que zelam pelas vias de deslocamento, pudessem, de alguma maneira, oferecer não apenas um caminho mais pavimentado e seguro, mas, igualmente, que pudessem prever tais impactos psicológicos e, assim, ao se tornarem mais salubres, do ponto de vista da saúde mental, pudessem oferecer melhores condições junto aos motoristas que trafegam.

O deslocamento e a segurança no trânsito, portanto, vão muito mais além do que poderíamos imaginar e, assim, deveríamos, urgentemente, prever e melhor nos prepararmos frente aos impactos psicológicos sofridos nos deslocamentos de nosso cotidiano. (5)

Nossa saúde, família, trabalho e a sociedade como um todo, agradecem.

Referências

  1. http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/EASTASIAPACIFICEXT/0,,contentMDK:22401696~pagePK:146736~piPK:146830~theSitePK:226301,00.html
  2. https://jessicamudditt.com/tag/psychological-impact-of-traffic-congestion/
  3. https://www.thestar.com/news/gta/2014/05/22/yes_that_traffic_jam_really_is_killing_you.html
  4. https://theconversation.com/the-stress-of-sitting-in-traffic-can-lead-to-more-crime-72323
  5. https://www.omicsonline.org/proceedings/traffic-congestion–long-driving-hours-impact-on-stress-emotional-and-physical-health-among-drivers-in-sharjah-59771.html

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!