Topo

Blog do Dr. Cristiano Nabuco

A psicologia da decepção afetiva: por que nos desapontamos com os outros?

Dr. Cristiano Nabuco

09/10/2018 04h00

Photo by Hanna Postova on Unsplash

Uma das questões mais frequentes que envolvem o cotidiano de nossos relacionamentos diz respeito a saber manejar, de maneira sensata, os recorrentes desapontamentos que as pessoas nos causam em nosso dia-a-dia. Assim, quando isso ocorre, somos visitados por emoções que nos remetem a uma frustração inicial e que podem levar, mais tarde, a uma intensa sensação de indignação, por perceber que alguém de nossa confiança, consciente ou inconscientemente, deixou de atender as nossas expectativas pessoais.

E o pior: esse desencantamento que experimentamos, em alguns casos, pode se tornar devastador a ponto de ficarmos temporariamente atordoados, por perceber que aquilo que tínhamos como certo em termos de cumplicidade e consideração, na verdade, sequer existe sob o ponto de vista do outro.

Nesse momento, é como se ocorresse um tipo de "choque com a realidade" e dessa forma tais acontecimentos abalam, de maneira profunda, as crenças de respeito e de confiança que, na maioria das vezes, imaginávamos poder receber em troca de nossa afeição, mas que agora, forçosamente somos obrigados a rever, alterando de maneira pontual, os conceitos de amizade, integridade e bem querer.

Certos indivíduos podem, em alguns casos, agir de maneira intencional para nos frustrar. É fato, entretanto, em uma parcela expressiva dos casos aqueles que nos decepcionam não têm uma noção lá muito clara a respeito dos contornos que essa desilusão pode desempenhar em nosso mundo interno –assim como o desdobramento emocional que é derivado dessa quebra de expectativa.

Esses momentos, todos nós sabemos muito bem, ao longo do tempo tornam-se verdadeiros divisores de água e nos modificam de maneira irreversível.

Compreendendo um pouco melhor

A decepção, segundo a psicologia científica, refere-se, tecnicamente, ao ato –grande ou pequeno, cruel ou generoso, casual ou premeditado – de termos sido levados a acreditar em algo que não é verdadeiro.

A decepção pode envolver até as pequenas mentiras que, às vezes, contamos aos demais, como uma valorização excessiva de nossa personalidade. Entretanto, há também as mentiras que dizemos a nós mesmos –o chamado autoengano – e que, contrariamente ao que imaginaríamos, exerce igualmente uma importante função na manutenção da nossa imagem social. Assim sendo, mais frequente do que perceberíamos, estamos montando pequenas estórias, "necessárias" – porém, nem sempre verdadeiras -, para assegurar nossa aceitação grupal.

Entretanto, por trás desse processo de desencantamento, há, na verdade, algo muito mais sutil e que as pesquisas sobre o comportamento humano ainda não captaram.

Eu vou explicar melhor.

A criação das interpretações pessoais

Não é de hoje que algumas formas de psicoterapia vêm detalhando o processo pelo qual nossa mente desenvolve, de maneira automática, as chamadas "interpretações da realidade". E assim, desde cedo, nosso cérebro vai desenvolvendo crenças –"pacotes de juízos e de valores" –, que são por nós utilizados para auxiliar a lidar com o mundo a nossa volta (algo semelhante a uma "bússola comportamental" que norteia o caminho de nossas escolhas e ações futuras).

Lembremos que esse recurso, a rigor, tem uma função adaptativa que é extremamente importante, pois nos ajuda a prever ou mesmo antecipar os desafios que encontraremos ao longo de nossa rotina, princípio esse já herdado de nossos ancestrais.

Tomemos um exemplo: quando saímos de casa pela manhã para ir a um compromisso importante, já visualizamos –ou prevemos, assim dizendo — de maneira antecipada o caminho que utilizaremos, assim como os possíveis pontos de trânsito, as melhores opções e alternativas, caso necessário for e, como base nessas construções mentais, agimos com o objetivo de resolver nossos objetivos.

Ocorre que, coligado a esse princípio de antecipação ou de "resolução dos problemas", também se encontram as previsões e expectativas que fazemos a respeito do comportamento humano alheio. Assim, da mesma maneira que planejamos –automaticamente — uma série de pequenas ações em nosso cotidiano, também criamos os "contornos imaginários" de como se darão as interações junto àqueles que, direta ou indiretamente, nos cercam.

E aqui se encontra uma poderosa armadilha que, raramente, temos muita percepção.

Da mesma forma que, em certas ocasiões, somos pegos de surpresa por termos feito uma escolha equivocada, digamos, de um novo trajeto ao trabalho, também somos muitas vezes pegos despreparados quando alguém não faz aquilo que imaginaríamos "ser correto" acontecer.

Assim sendo, quando uma pessoa não se adéqua aos modelos já criados em nossa mente e, assim, nos frustra ou nos decepciona, nossa mente é obrigada, rapidamente, a ter que realizar um tipo de atualização ou de "ajuste forçado". Ou seja, nesse momento conseguimos ter a súbita percepção da dissonância causada entre o que imaginávamos ocorrer (no que tange aos comportamentos) versus o que estamos percebendo –de diferente — na conduta alheia para conosco.

E o pior é que esse processo aciona, inconscientemente, alguns dos mecanismos mais primitivos de rejeição pessoal, causando-nos uma grande desorientação psicológica, pois esses sinais, ao serem disparados, trafegam pelas mesmas vias neurais da dor física, provocando-nos também um efetivo desconforto biológico.

Photo by Eric Ward on Unsplash

Aqui, portanto, caberia uma pergunta importante: como nos proteger das criações ou expectativas mentais irreais que desenvolvemos inadvertidamente a respeito das pessoas que, de alguma maneira, nos são importantes?

Mudando o ponto de vista

Algo bem simples pode ser adotado para nos poupar desses desencantamentos recorrentes. Vamos recordar que, a rigor, a quebra dessas expectativas que vivenciamos, na verdade, faz parte de um processo que tem início e fim única e exclusivamente em nosso próprio cérebro e, portanto, cada ato ou acontecimento externo apenas mostra que nossas construções imaginárias, no fundo, são falhas e, portanto, em última instância, são de nossa única e inteira responsabilidade (e não dos demais).

Portanto, não são os outros que nos decepcionam, mas nós mesmos que, ingenuamente, atribuímos qualidades inexistentes — e, o pior, ficamos "magoados" quando os outros não se encaixam a essas idealizações pessoais, culpabilizando-os.

Seria certo isso?

Claro que não. Então, qual a saída?

Obviamente, é tentarmos estar conscientes ao máximo a respeito desse recurso de atribuição imaginária e, ao percebê-lo em funcionamento, tentarmos, no que for possível, minimizá-lo, evitando assim os costumeiros dissabores das relações.

A dica então é clara e cristalina: procure conter, um pouco que seja, suas expectativas. Eu lhe asseguro que, ao fazer isso, você estará protegendo-se das traiçoeiras armadilhas em que, ingenuamente, entramos, sem perceber.

Assim funciona a psicologia da decepção afetiva.

Torne-se consciente de você mesmo e de seus pensamentos, pois, ao fazê-lo, você estará poupando-se de muita consternação e sofrimento futuro.

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!