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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Você pode se desconectar: consequências de usar o celular por tempo demais

Dr. Cristiano Nabuco

18/09/2018 04h00

Photo by Selwyn van Haaren on Unsplash

Possivelmente e semelhante à maioria das pessoas, você deve estar, nesse exato momento, com seu celular nas proximidades e extremamente atento a qualquer notificação que possa lhe chegar, proveniente das redes sociais e dos demais aplicativos.

Em maior ou menor grau, isso se repete a todo momento em nosso cotidiano.

Muita literatura já foi produzida para defender a ideia de que esse tipo de conexão, de fato, aumenta nossas trocas sociais, alavanca a produtividade no trabalho e, mais que isso, facilita de maneira exponencial uma série de outras atividades de nosso dia-a-dia.

Nesse sentido, as demandas que nos chegam através das plataformas digitais, claramente, não param de aumentar e, o pior, vão consumindo nossa atenção de maneira tão intensa que, a certa altura, estamos totalmente voltados – conscientemente ou não – para nossos aparelhos móveis de telefone.

Você já deve ter ouvido, inclusive, a expressão inglesa FOMO – fear of missing out -, que significa, em uma tradução livre, o medo psicológico de estarmos perdendo alguma informação, caso nossa bateria caia ou estejamos fora da área de cobertura.

Por fim, você, seguramente, já se sentiu despido quando, porventura, se esqueceu de seu celular, certo? Isso é óbvio, pois todos nós já passamos pela situação.

Isso indica, portanto, que a abundância de interrupções que sofremos, através dessa plataforma digital, começa a criar os primeiros contornos de uma nova doença, em saúde mental, chamada de dependência tecnológica.

O problema, entretanto, é que essa rotina já se consolidou tanto em nossa vida que, caso demoremos, por exemplo, mais de 20 minutos para dar o devido retorno, corremos o risco de ser seriamente mal interpretados e acusados de negligência ou de descaso –um típico exemplo da nova "etiqueta digital".

É exatamente assim que hoje vivemos. O telefone está então sempre ligado, ou seja, dormimos com ele ao nosso lado, digitamos mensagens enquanto guiamos, checamos novas informações durante aulas e importantes reuniões (sem falar nos cinemas, teatros e restaurantes), compramos baterias extras e, o pior, literalmente perdemos a mão durante as interações familiares –aquelas que, supostamente, deveriam ser as mais importantes de nossa vida.

Assim sendo, uma pesquisa foi conduzida para que se pudesse verificar, efetivamente, qual é o tamanho desse afogamento digital que sofremos.

O quanto estamos nos dedicando aos celulares?

Foram recrutadas pessoas de várias nacionalidades e com idade variando entre 18 e 65 anos, que usavam ativamente seus telefones celulares e que, além disso, descreviam grande satisfação em suas interações com os eletrônicos. O objetivo da investigação era a de avaliar como ocorre a sensação de usar excessivamente os celulares e, caso estivesse presente, inclusive, como se manifestaria dificuldade de se desconectar em algum momento.

Além do grupo acima, que havia sido recrutado, foram incluídas informações anteriores de outras pesquisas conduzidas entre 2015 e 2016, totalizando mais de uma centena de participantes.

Os resultados apontaram que, além dos efeitos positivos já bem conhecidos por todos – aumento das interações sociais, perspectiva de acessar a informação que bem entendemos a qualquer momento que seja -, os efeitos negativos estão, efetivamente, muito presentes.

O efeito colateral, portanto, da presença dessa plataforma digital, apontou que os momentos de desconexão foram, realmente, bastante raros e de difícil motivação pessoal.

Os participantes que usavam o telefone em menor intensidade descreveram maiores capacidades de desfrutar de outras atividades rotineiras e, o mais importante, menores níveis de estresse, pois se sentiam "no controle" de sua vida. Além do mais, aqueles investigados na amostra foram os que relataram ser mais felizes, menos estressados e, o mais importante, menos pressionados a ser criticados caso demorassem a dar algum retorno.

Assim sendo, uma coisa fica bastante clara: ou tentamos alguma forma de desconexão forçada ou seremos totalmente consumidos pelas novas tecnologias, fato, e isso já está totalmente claro através de outras investigações.

O que fazer então?

Silencie seus aplicativos: Evite, ao máximo, olhar seu aparelho a cada sinal sonoro que chega. Ao cancelar as notificações ruidosas, você pode olhá-las quando bem decidir e, dessa forma, não irá comprometer sua capacidade de atenção e de concentração exigidas várias vezes ao longo do dia. Assim sendo, durante o período do café ou nos intervalos maiores, por exemplo, você poderá olhar com calma e decidir como e quando responder.

Decida quando responder: Eu sei que você deve estar dizendo que "as pessoas esperam minha reposta imediata", como seu chefe, por exemplo, ou algum familiar importante. Nesses casos, você poderá deixar ativos os alarmes sonoros "para apenas poucas pessoas", o que poderá reduzir de maneira expressiva o nível de interrupções sofridas –o que aumentará, claramente, a sua produtividade. E, o mais importante: ao não responder imediatamente, você começa a ensinar aos demais "como você lida com as mensagens" e, portanto, rapidamente as expectativas de respostas imediatas dos outros diminuirão.

Pense em como responder: Ao retardar um pouco seu tempo de resposta, isso lhe dará maiores habilidades psicológicas de parar e pensar um pouco mais, antes de dar muitas das réplicas ao que nos chega de maneira embaraçosa e agressiva e que, no calor do momento, nos faz "devolver na mesma moeda".

Determine o que é prioritário: como as redes sociais são, possivelmente, aquelas que mais distraem nossa atenção, desinstale-as de seu telefone ou, se não conseguir, silencie-as de maneira completa.

Photo by Aditya Saxena on Unsplash

Conclusão

Ninguém aqui é ingênuo a ponto de acreditar que seria fácil e simples levar a cabo muitas das ideias aqui apresentadas, entretanto, devemos, creio eu, ter o direito de decidir e regular a maneira com a qual usamos nossos telefones celulares e como vamos viver nossa vida.

Permita-se a se desconectar, às vezes ou de maneira parcial, de seu telefone celular. Lembre-se: "a tecnologia excessiva entra na vida das pessoas, quando as relações humanas não ocupam o seu devido lugar" – Sherry Turkle.

Assim, exerça inteligentemente a sua liberdade de se desconectar.

Referência bibliográfica

https://dl.acm.org/citation.cfm?id=3229468

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!