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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

O que está por detrás da fofoca?

Dr. Cristiano Nabuco

29/05/2018 04h00

Photo by Ben White on Unsplash

Embora muitas vezes passe totalmente despercebida, é líquido e certo que a fofoca está presente em todos os níveis socioeconômicos. Apesar de ser vista como algo ruim, de conotação negativa em qualquer circunstância, ela cumpre um papel social de extrema importância.

Como o fenômeno, segundo os antropólogos, tem suas raízes em nossos antepassados mais distantes, vale a pena olhar para trás na tentativa de entender o presente.

Lá nos primórdios, vivíamos em comunidades de até 150 indivíduos e, entre eles, alguns se destacavam por suas habilidades de caça e de proteção do bando – os chamados "machos-alfa". Eles eram poucos e desfrutavam de um elevado status por terem um papel vital para a comunidade, pois a vida dos demais dependia diretamente de suas aptidões físicas e de seus esforços contínuos. (1)

Obviamente, como a destreza de caça e de força não era para todos, os menos hábeis acabavam por desempenhar papéis menores na pequena pirâmide social. Lembremos que, em épocas de difícil sobrevivência, qualquer informação a respeito dos colegas ou do meio ambiente se tornava claramente fundamental e, mais do que isso, rapidamente virava uma moeda de troca e de poder.

Teria sido nesse momento que surgiu a fascinação por pessoas mais importantes? Muito provavelmente. Os feitos dos machos-alfa possivelmente alimentavam sonhos e esperanças – coisa que se mantém viva até os dias de hoje.

Mas não eram apenas as habilidades físicas dos machos-alfa que ganhavam destaque. Saber "algo" a respeito de alguma pessoa tinha também a virtude de evocar prestígio e encantar os pares, agora pela via da inteligência social exibida pelo indivíduo. Por sinal, inteligência esta poderosíssima e capaz de influenciar ou predizer o comportamento de outros.

Possivelmente, assim nasceu a "fofoca", ou seja, uma maneira alternativa de assegurar nossa posição social por meio do poder de "revelar" informações pouco conhecidas e, portanto, exercer algum tipo de influência pública ao mesmo tempo em que se criava uma certa relevância coletiva.

De lá para cá, nada mudou. Esse tipo de comportamento continua servindo, inclusive, como um importante tipo de "cola social" e, às vezes, uma ferramenta de manipulação para isolar aqueles que o "fofoqueiro" não apoia ou com quem não concorda.

Embora saibamos muito bem que devemos ter cuidado com aquilo que falamos a respeito dos outros, é praticamente impossível não se envolver nessas ações em nosso cotidiano.

Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Amsterdam descobriu que 90% do total de conversas em uma empresa, por exemplo, se qualifica como fofoca. (2) Mais um número: pesquisas do Instituto de Tecnologia da Geórgia concluíram que o maledicência representa nada menos do que 15% dos e-mails trocados dentro de uma corporação. (3)

Tanto a pesquisa quanto as experiências daqueles que têm sido alvo de falatório, porém, ressaltam que esse tipo de comportamento pode prejudicar os relacionamentos e criar um clima de medo e ressentimento, alimentando o estresse (que, como sabemos, causam desde um declínio na produtividade até um aumento nas doenças e absenteísmo). (3)

De uma maneira geral, as fofocas carregam as seguintes características:

a) Dizem respeito a uma pessoa que não está presente no momento da conversa;

b) Versam sobre algo que não é ainda muito conhecido e está relacionado com algum tipo de julgamento moral;

c) Aparentam ser inerentemente incontroláveis e frequentemente irresistíveis. (4)

Embora muito tempo tenha se passado desde nossos primórdios, quando esse tipo de comportamento talvez tenha sido de alguma forma funcional, é importante notar que ainda hoje, lamentavelmente, carregamos as mesmas tendências de nossos ancestrais e, mais do que isso, exercitamos nossa indiscrição sobre os demais sem muita consciência. Sem contar as pitadas de perversidade, presentes em grande parte das vezes.

Em minha visão, nossas "honestas opiniões" exibem, de fato, muito pouco da pessoa da qual falamos. Na verdade, elas são muito mais reveladoras de nossas próprias fraquezas, pois usamos esse tipo de recurso para influenciar aquele que ouve nossas revelações mais íntimas. Ou seja: um verdadeiro jogo de poder entre aquele que fala e aquele que escuta.

Obviamente que, nos dias de hoje, não temos mais de caçar para angariar algum tipo de glamour social, mas nossa mente ainda busca atrair, como uma criança, a consideração dos demais – de forma tão primitiva quanto nossos distantes ancestrais.

Na verdade, ainda que este seja um comportamento inerentemente social, ele revela a necessidade inconsciente e perpétua dos humanos de procurar sempre se sentirem importantes e aceitos e, na ausência de feitos prodigiosos, criam-se fatos pouco verídicos (o que na verdade pouco importa) sobre a vida dos demais.

Possivelmente, uma característica indicativa de baixa autoestima.

Três peneiras

É famosa a história do aluno que procurou o grande filosofo grego Sócrates dizendo-lhe que precisava contar algo sobre alguém.

Sócrates levantou os olhos do livro que lia e perguntou ao rapaz: "O que você vai me contar, já passou pelas três peneiras?"

– Três peneiras? indagou o aluno.

– Sim! A primeira peneira é a da VERDADE. O que você quer me contar sobre essa pessoa é um fato? Caso tenha ouvido falar, a coisa deve morrer aqui. Mas suponhamos que seja verdade, deve então passar pela segunda peneira: a da BONDADE. O que você vai contar é uma coisa boa? Ajuda a construir ou destruir o caminho, a fama do próximo? Se o que você quer contar é verdade e é coisa boa, deverá passar ainda pela terceira peneira: a da NECESSIDADE. Convém contar? Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade? Pode melhorar o planeta?

E Sócrates finaliza:

– Se passou pelas três peneiras, conte! Tanto eu, como você iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos e os colegas do planeta. (5)

 

Referências

(1) http://www.blogdaciencia.com/sapiens-o-veredito/

(2) https://www.psychologytoday.com/intl/basics/teamwork

(3) https://www.psychologytoday.com/intl/blog/our-gender-ourselves/201408/why-we-love-gossip

(4) https://www.researchgate.net/publication/235910138_The_Psychology_of_Gossip

(5) https://www.pensador.com/frase/NTU5ODg/

 

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!