Topo

Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Eleições: da calmaria à indignação

Dr. Cristiano Nabuco

29/10/2014 09h00

© jr_casas - fotolia

© jr_casas – fotolia

Desnecessário descrever o óbvio: cada um de nós tem suas preferências quando o assunto é eleição de um candidato, seja na escolha de um representante na escola ou faculdade, no trabalho ou ainda para ocupar cargos públicos de maior expressão – a exemplo de como aconteceu agora.

Assim sendo, creio que todos nós, mais ou menos politizados, sempre defendemos aquilo que melhor representa nossas aspirações e desejos de mudança.

Caso você ainda não saiba, esse processo ocorre dentro de um sistema de significados, uma vez que somos constituídos de um conjunto de valores (ou de crenças pessoais) que norteia nosso movimento de escolha a respeito de praticamente tudo na vida. Desde nossas preferências afetivas, passando pela forma como agimos, chegando até a maneira como enxergamos os contornos da vida e do mundo.

Portanto, uma vez que desenvolvemos uma determinada opinião, nossa mente começa a selecionar fatos e evidências que confirmem essa posição, enquanto que automaticamente desqualifica as avaliações em contrário. Semelhante a um ímã, novas e progressivas visões que validem nossos entendimentos internos sempre serão bem-vindos, enquanto juízos em contrário serão sempre refutados.

No campo da Psicologia isso é bem conhecido e denomina-se "Teoria da Dissonância Cognitiva" de Leon Festinger.

A teoria da dissonância cognitiva baseia-se na premissa de que uma pessoa se esforça para manter a coerência entre suas cognições (convicções e opiniões), entretanto, quando alguém tem uma crença e, por alguma razão, age diferente do que acredita, ocorre uma situação de dissonância interna, o que provoca desconforto psicológico. Isto é, pensar e se comportar de maneira distinta se constitui em um problema.

Obviamente que coisas menores de nosso cotidiano são mais fáceis de serem manejadas e até conseguimos suportar pequenos níveis de dissonância. Entretanto, quando se trata de valores mais profundos e importantes a nós, transgredi-los pode, efetivamente, vir a perturbar alguém.

Nesse momento, duas coisas podem acontecer: (a) o indivíduo se afasta da informação que contradiz suas opiniões e reduz a dissonância ou (b) começa a considerar um ponto de vista alternativo, expresso através da mudança do pensamento.

A rigor, tudo isso é bastante simples, entretanto, quem passa por isso sabe o tamanho do incômodo que esse processo pode provocar.

Einstein a esse respeito já dizia ser mais fácil desintegrar um átomo do que mudar a opinião de alguém.

Saiba, portanto, que grande parte das pessoas que chegam à psicoterapia em momentos de crise emocional, na verdade, passam por quadros de dissonância cognitiva aguda e precisam de ajuda de um profissional para desfazer o embaraço que as circunstâncias da vida acabaram por criar.

Por essa razão também é que muitas pessoas reagem violentamente às opiniões contrárias, pois seu sistema de equilíbrio mental – muito mais do que seus princípios -, são colocados à prova e precisam se manter equilibrados. Inclua aqui orientações religiosas, sexuais e, principalmente, as políticas.

© Fiedels - fotolia

© Fiedels – fotolia

É possível então que, nestas eleições, ao deparar com opiniões antagônicas, muitas pessoas tenham experimentado fortes reações de raiva e de indignação, a ponto, inclusive, de sentirem-se descontroladas e, em certos casos, vivenciando rompimentos de longas relações (ouvi várias dessas histórias, inclusive).

Na medida em que estas eleições mexeram muito com todos, nosso sistema de coerência interna foi mais intensamente desafiado, o que pode ser considerado, em parte, por essa imensa montanha russa emocional vivida pelos eleitores.

Bem, e a explicação da outra parcela que poderia explicar esse incômodo tamanho que muitos sentiram?…

Simples, foi derivado das ideologias pessoais.

Portanto, apertar a tecla da urna eletrônica aparentemente pode parecer até um ato simples, mas, na verdade, ele é o resultado de uma centena de operações cognitivas que formam e constituem, em última instância, aquilo que somos.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!