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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Eleições: os efeitos psicológicos da mentira

Dr. Cristiano Nabuco

22/10/2014 09h00

© Brian Jackson - fotolia

© Brian Jackson – fotolia

Com uma nova rodada de eleições, os candidatos fazem o seu melhor para convencer os eleitores de suas propostas e de seu plano de governo.

Debates ácidos, comícios excessivos, publicidades com acabamento de marketing e, claro, nas carreatas, a presença obrigatória do conhecido beijo nos eleitores de rua.

Tudo isso e muito mais, apenas com um único objetivo: levar seu voto.

Tecnicamente, esta e outras eleições seriam decididas por um público esclarecido e sua escolha, baseada em um candidato com quem mais concorda, ou ainda, decisões tomadas pelos eleitores com base no potencial de cada concorrente.

Na realidade, porém, somos seres comandados muito mais por nossas emoções do que por nossa lógica e por nossa razão. Assim, é muito frequente sermos conduzidos por um pensamento subconsciente – ao invés de raciocínio objetivo-, que determina o nome que iremos marcar no dia da votação.

Tal fato é verdade que, muitas vezes, a opção acaba sendo decida apenas na hora em que nos deparamos com a privacidade da urna.

Obviamente que este fato não é segredo para os candidatos e seus respectivos assessores que tentam aproveitar esse conhecimento "mais emocional" das pessoas para angariar seus votos.

Um exemplo muito poderoso dessa tática é a de tentar marcar na mente dos eleitores mais desinformados notícias fabricadas em forma de calúnias ou enquetes parciais que servem a um único propósito: "lembrar" aos eleitores as características mais negativas do candidato e que podem, dias antes das eleições, permanecer ainda pulsantes na mente dos eleitores.

Os efeitos desse princípio foram confirmados há tempos por um estudo publicado no Journal of Consumer Research, que pediu a estudantes de graduação para votar em um de dois potenciais candidatos a ocupar um determinado cargo.  O candidato A, para efeito da investigação, foi "construído" em sua página da web como mais simpático, se comparado à apresentação do candidato B, em seu respectivo website.

O resultado?…

O candidato A obteve em torno de 85% dos votos dos estudantes sobre o oponente B.

No entanto, quando os alunos foram chamados a visitar os mesmos sites, mas, desta vez, apresentados simultaneamente a uma pergunta hipotética (de cunho altamente negativo) sobre o candidato que fora mais favorecido anteriormente, apenas 38,9% votaram a favor da mesma pessoa – concorrente A -, apesar de a indagação formulada ser apenas exposta como uma "hipótese" e não um fato concreto.

Ou seja, rumores e mentiras podem, quando expostas a certas populações de eleitores mais indecisos, ser responsáveis por mudança drástica de opinião. Assim, um processo eleitoral polinizado de indagações desfavoráveis sobre alguém pode efetivamente fazer migrar os votos do destino inicial planejado.

Assim, quando um candidato é confrontado com, digamos, um "empurrão negativo" plantado pelo grupo adversário, o mesmo pode optar por ignorar os fatos divulgados, deixando então as considerações se dissiparem e tornarem-se apenas um tipo de rumor, ou abordá-las, correndo desta forma o risco de distanciar o eleitorado dos problemas reais que precisariam ser discutidos.

© kantver - fotolia

© kantver – fotolia

É baseado nessas tendências que muitas eleições acabam por se descolar da realidade ao se tornarem palco de brigas e acusações entre acusado e acusador, sabendo este último, entretanto, das inverdades proferidas, pois seu objetivo apenas é o de confundir os eleitores menos informados, "marcando-os" negativa e emocionalmente.

Os autores da investigação concluem que, devido ao poder de permanência de falsas denúncias, tais fatos podem, muitas vezes, acionar subconscientemente a mente dos eleitores e, assim, manchar o candidato aos olhos de seu potencial eleitorado.

Resumo da ópera: a publicidade negativa realmente funciona.

Outra pesquisa conduzida por Jon A. Krosnick, professor de Psicologia e Ciência Política na Universidade Estadual de Ohio, chegou a conclusões bem semelhantes ao dizer: "As pessoas estão mais motivadas pela ameaça de algo ruim do que a oportunidade de algo bom", concluiu o cientista.

Pensando nisso tudo, é possível também que muitas pesquisas "não oficiais", que são subitamente apresentadas momentos antes das eleições, sejam igualmente poderosas em forjar falsas propensões, pois, como fábulas, interferem no processo decisivo dos eleitores mais inseguros.

A esse respeito, me ocorreu a máxima do fim da 2ª Grande Guerra, atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, que dizia: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

O dia em que a prática da política pública se ocupar de estratégias mais nobres para angariar simpatias e, obviamente, o almejado voto dos eleitores, é possível então que encontremos disputas mais sensatas e comprometidas, de fato, com a verdade e a ética, em vez de mentiras, calúnias e difamações.

Seria bom ficarmos atentos, não acha?…

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!