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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

E seu preconceito?...

Dr. Cristiano Nabuco

17/09/2014 09h00

© Daniele Pietrobelli - fotolia

© Daniele Pietrobelli – fotolia

Não é de hoje que assistimos a gestos de discriminação e desigualdade.

A discussão acerca das diferenças entre homens e mulheres, como sabemos, não é recente, muito pelo contrário: os gregos antigos acreditavam que a mulher era um ser inferior na escala metafísica que dividia os seres humanos e, por isso, os homens detinham o direito de exercer funções da vida pública.

Ao longo da história de nossa civilização, os limites de territórios, que ainda eram bastante imprecisos, fizeram das guerras junto aos invasores os novos prisioneiros da segregação racial.

Na idade média, por exemplo, através da expansão dos territórios e o descobrimento de terras além-mar, fez que os negros e nativos de vários continentes (os ameríndios, por exemplo) se tornassem alvo da intolerância popular.

Obviamente que não podemos deixar de fora outra forma de segregação que vem costurando as relações humanas desde os primórdios: a intolerância religiosa.

Assim, ao contrário do que imaginaríamos acontecer, embora o conhecimento tenha sido refinado, expandido e vivermos em um ambiente globalizado, a marginalização não apenas diminuiu, mas ganhou novos contornos. Hoje, por exemplo, além das maneiras tradicionais de se hostilizar alguém, ainda conseguimos criar outras modalidades de isolamento social.

É bem possível que no passado os comportamentos que fugissem do adequado ou do socialmente aceito, rapidamente tornavam-se alvo da implicância grupal, pois tínhamos uma noção mais precisa e objetiva a respeito das coisas. Entretanto, atualmente, as coisas parecem ter piorado. Como o conhecimento evoluiu, também os limites da ciência se tornaram mais líquidos, desta maneira nossos preconceitos também.

Hoje, praticamente qualquer elemento serve de álibi para a hostilidade interpessoal: ser pobre, rico, feio, bonito, gordo, magro, jovem, velho, ser advogado, médico, dentista, psicólogo, nordestino, paulista, carioca, gay, hetero, não importa, qualquer coisa vale para um grupo ser recriminado.

Penso comigo o quanto, de fato, nossa sociedade tornou-se profundamente adoentada na medida em que ela mesma se autorrecrimina em todas as suas formas e possibilidades de existência.

Como pesquisador, fui averiguar quais estudos de impacto psicológico e psiquiátrico haviam já sido feitos a este respeito e, para minha surpresa, com raras exceções (obesos, crianças vítimas de bullying, por exemplo), praticamente nada foi ainda investigado.

Assim, não é possível afirmar com segurança e sob o ponto de vista científico, o que a discriminação faz, de fato, com a cabeça de alguém.

Mas, raciocine comigo: pensando única e exclusivamente a respeito do desenvolvimento psicológico humano, esqueça as segregações; por ora devo dizer que, com raríssimas exceções, ninguém passa incólume pela vida (infância, adolescência e vida adulta).

Em algumas linhas da Psicologia, inclusive, se tornou um clássico estabelecer os pais como os algozes da tragédia vivida pelos filhos, ou seja, invariavelmente aponta-se para os cuidadores como os grandes responsáveis pelo drama humano e, segundo várias dessas concepções teóricas, criando-se impactos por toda uma vida.

Assim, independentemente das condições de raça, cor da pele, orientação sexual ou religiosa, "viver" naturalmente já poderia ser entendido como um ato de sobrevivência.

Entretanto, como se já não bastassem todas as formas de agressão que sofremos ou que nos autoimpomos, ainda temos que manejar as discriminações sociais que, sem que tenhamos escolhido, também pesam sobre nossos ombros.

Discriminar, em última instância, é também hostilizar. Portanto, sem que tenhamos consciência, muitas vezes ajudamos a devastar no outro aquilo que fragilmente foi construído ao longo de suas experiências.

Falamos em preservar as florestas, as águas, o mico- leão- dourado, a memória de um povo, mas raramente ouvimos sobre preservar "pessoas".

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Obviamente, podemos até não concordar com as mais distintas maneiras de vida que se desenrola a nossa volta, entretanto, a tolerância é uma necessidade imediata de todos os tempos e para todas as raças, se quisermos efetivamente prosperar. Gandhi dizia que, "tolerar", necessariamente não significa aceitar aquilo que se tolera.

Lembremos assim que, mais importante do que qualquer outro elemento que nos desagrade, é a humanidade que cada um carrega dentro de si. E segregar o outro é nada mais do que ajudar a girar a roda social da exclusão que, inevitavelmente, também nos afetará em algum momento.

"Afirmo que o senhor não vai conseguir de fato aferir como sofremos com uma cuspida no chão, um olhar enviesado, um passo a frente ou o mesmo reduzido, ou ainda um ataque visceral. Não é possível imaginar o sofrimento de todos os dias, desde a saída de casa até o retorno a ela. Do quão é difícil estar em lugares onde as pessoas ainda acham que não deveríamos estar", relatou um conhecido.

É mais ou menos assim que se sente uma pessoa, todos os dias, quando é destruída moralmente.

Faça sua parte.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!