Entendendo nossas emoções: do passado ao presente
Ao longo de toda a história da humanidade, muitos aspectos do comportamento humano permaneceram totalmente desconhecidos e intocados. Semelhante ao entendimento do que seria o mundo marinho ou a vida fora do planeta, a Psicologia esteve tão distante de qualquer compreensão maior que muitos quadros, quando manifestos, recebiam uma interpretação mais religiosa, principalmente em tempos em que padres e monges acumulavam diversas funções e eram figuras de notório saber.
Veja que da mesma maneira que se imaginava que a Terra seria quadrada e que a navegação seria contraindicada, qualquer anomalia do comportamento humano seria, possivelmente, também atribuída a experiências sobrenaturais.
Caso você ainda não saiba, o surgimento da anorexia nervosa foi associado a uma condição espiritual. Santa Catarina de Siena, no século XIV, por exemplo, jejuava com tamanho fervor (como forma de se aproximar de Deus), que ainda duzentos anos após, Papa Benedito XIV postulava que o jejum guardava estreitas relações com a santidade. Assim, foi apenas na literatura moderna que tal quadro recebeu a denominação de "santa anorexia" – explicando assim seu possível surgimento como categoria diagnóstica.
E foi assim, progressivamente, que as ciências psicológica e psiquiátrica foram sendo desvendadas e expandidas ao receberem novas e mais fundamentadas explicações a respeito de sua natureza.
Entretanto, um aspecto de grande importância foi o entendimento atual do papel das emoções e do funcionamento mental.
Como funcionamos?
Esta é uma das fronteiras que mais tem sido estudada pela ciência e que merece aqui nossa atenção, pois durante muito tempo também aqui as explicações foram amplas.
Uma das primeiras interpretações foi dada por Hipócrates, pai da medicina, ao criar a "doutrina dos quatro humores" – sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra -, como forma de melhor compreender o funcionamento do corpo humano. Assim, conforme estes humores alcançavam o equilíbrio necessário, a saúde estaria assegurada, entretanto, se um desses componentes estivesse em menor proporção ou em excesso, o desequilíbrio se instauraria, originando as enfermidades. Surgiu então a conhecida técnica da "sangria", isto é, para se acabar com os excessos, bastava colocar o doente para purgar, restabelecendo o equilíbrio.
Freud, séculos mais tarde, endossou esse tipo de princípio ao propor como tratamento a "purgação emocional" ou a chamada catarsis (significado: purificação da alma por uma descarga emocional causada pelo drama) como possibilidade de cura psicológica.
Até muito recentemente, achava-se também que as emoções humanas eram decorrentes das dimensões mais inferiores da personalidade e que, dessa forma, deveriam ser controladas. É exatamente por essa razão que ainda hoje ouvimos com tanta frequência conselhos a respeito de se evitar sermos guiados pelas emoções, pois resultados não muito satisfatórios podem ser atingidos.
Resumo da ópera: ou devemos, como possibilidade terapêutica, nos emocionar mais intensamente para nos livrar dos conteúdos tóxicos ou, no polo oposto, devemos estabelecer forte vigilância para não "perdermos a cabeça" e agirmos de maneira animalesca ou irracional. Assim, a mensagem indelével que fica é a de que as emoções, de fato, são energias perigosas e incertas, devendo ser tratadas com cuidado e parcimônia.
Emoções e a neurociência
Hoje, entretanto, com a possibilidade de se observar o cérebro em funcionamento através da tomografia por emissão de pósitron, muitas dessas interpretações caíram por terra.
Descobriu-se, por exemplo, que as emoções são importantíssimas para assegurar o equilíbrio psicológico e que, portanto, ao contrário do que se dizia, não deveriam ser evitadas ou expressas em forma de catarse, mas sim estimuladas equilibradamente.
Eu explico.
A arquitetura emocional, segundo as novas descobertas da neurociência, é constituída por três categorias: as emoções primárias, emoções secundárias e as emoções instrumentais.
As emoções primárias, como o próprio nome diz, são as primeiras reações produzidas pela amígdala cerebral ao ser estimulada pelo meio ambiente. Podemos, desta forma, primariamente, sentir apenas três tipos de emoções: raiva, medo ou tristeza. Já as emoções secundárias são as emoções mais lentas e se manifestam dois milissegundos após as emoções primárias terem sido processadas, pois, originadas no córtex cerebral (sede de nosso conhecimento), levam mais tempo para serem acionadas.
Por esta razão então é que podemos afirmar que temos emoções primárias "mais viscerais" (mais imediatas) e emoções "mais mentais" (mais lentas) denominadas popularmente de "sentimentos".
Como este processo é rápido, pois é um mecanismo biológico de sobrevivência, muitas vezes não temos a percepção das emoções primárias, mas apenas e tão somente o reconhecimento das emoções secundárias, confundindo-nos quanto à origem de nossas angústias e inquietudes.
Veja só: secundariamente podemos estar com raiva, quando primariamente estamos com medo. Seria insensato afirmar que uma das possíveis razões por trás de muitos comportamentos antissociais seria então o desamparo (ou seja, uma tristeza primária)? Uma vez que essa emoção não é experimentada ou percebida, tornar-se-ia então raiva, deixando assim essas pessoas agressivas.
Perceba que as construções ou relações destas duas categorias emocionais podem ser plurais. Assim, as pessoas podem ficar com medo de sua raiva ou ainda deixarem que seu medo se torne frieza; a inveja pode, por sua vez, transformar-se em raiva e a raiva pode então converter-se em medo.
Para você ter uma ideia da importância dessas descobertas, sabe-se hoje, por exemplo, que em quase 85% dos casos de depressão, a emoção que mais atua na manutenção desses casos seria a emoção primária de raiva e não a emoção secundária de tristeza, como erroneamente enfatizada.
Assim sendo, haverá sempre uma equação emocional subjetiva de emoção primária e secundária a ser identificada por nós, caso desejemos nos compreender melhor.
Conclusão
Conforme já dizia Aristóteles: Qualquer um pode zangar-se – isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na justa medida, no momento certo, pela razão certa e da maneira adequada – isso não é nada fácil. Portanto, achar o "ponto" certo de expressar uma determinada emoção pode não ser uma tarefa das mais fáceis. Muitas vezes digo aos meus pacientes a importância de falar de sua raiva sentida, pois, na verdade, elas vêm cotidianamente confundindo sua raiva com o comportamento agressivo – e uma coisa não tem nada a ver com outra, diga-se de passagem, sob a ótica da psicoterapia.
Portanto, vai aqui uma dica minha: como forma de se organizar e se preparar para situações difíceis, procure sempre escrever suas emoções. Pegue um pedaço de papel, escreva, por exemplo, como está se sentindo hoje. No dia seguinte, pegue uma nova folha e escreva exatamente a mesma coisa, mas sem olhar a primeira narrativa. Faça isso por quatro dias consecutivos. Você irá perceber que, na medida em que monta e remonta seu texto, ela irá ampliando-se e a percepção da relação de suas emoções irá aumentar, deixando-o mais atento e consciente de suas emoções.
Ao final, olhe a sua primeira redação e compare-a com a última. Você irá surpreender-se com a diferença. Essa técnica dinamarquesa de intervenção segue a linha daquele velho ditado gaúcho ao dizer que: "é no andar da carroça, que as abóboras se ajeitam". Assim, experimente e confira a eficácia desse recurso psicoterapêutico. A cada emoção descoberta, um grande cenário aparece.
"Cada possibilidade nova que tem a existência, até a menos provável, transforma a existência inteira", Milan Kundera. Assim, torne-se consciente de suas emoções.
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