Tatuagens: a psicologia por trás da arte
Embora não seja novidade para ninguém, as tatuagens são uma tradição muito mais antiga do que se pensa. "Otzi", o homem com 5 mil anos que foi encontrado congelado nos alpes italianos em um raro estado de conservação –até mesmo com sua pele intacta –, revelou que as tatuagens são muito mais antigas do que pensávamos.
O "homem do gelo", como foi chamado, tinha nada menos do que 61 tatuagens em todo o corpo e ainda estima-se que esses desenhos cumpriam uma função curativa, ou seja, podem ter sido uma forma muito primitiva de se buscar a cura de algum tipo de enfermidade e talvez até parte de um ritual antigo de magia. Assim sendo, a idade dessas revelações prova, na verdade, que se tatuar não é algo tão moderno, mas que se pintar pode estar na base do comportamento humano mais ancestral. (1)
Uma hipótese a respeito da origem da tatuagem seriam as marcas de cicatrizes adquiridas em guerras, lutas ou caças. Como elas se tornavam motivo de orgulho e reconhecimento frente ao grupo, quem as possuísse carregava os sinais de força e virilidade. Acredita-se que, a partir dessa ideia, as cicatrizes foram progressivamente sendo substituídas pela representação voluntária no corpo, ou seja, o homem passou a produzir em si mesmo suas próprias cicatrizes, agora na forma de desenhos e símbolos, que eram riscados sob a pele com o uso de tintas e espinhos vegetais.
Mas, atualmente, o que tatuagens nos causam?
Aumento do self
De maneira semelhante a alguém que faz um regime ou passa por uma cirurgia plástica, existe uma expectativa de que fazer uma tatuagem possa, de alguma maneira, ser um diferencial a alguém que carrega um desenho único, conferindo assim um sentido especial e de destaque sobre os demais. Como somos seres gregários –vivemos em grupos desde nossos antepassados –, ter uma figura estampada sob a pele pode, de fato, oferecer um "algo a mais". Pessoas que se tatuam, assim sendo, sentem-se como tendo um tipo de particularidade que as destacam frente às demais, definindo melhor sua identidade. (2)
Além disso, há vários grupos que utilizam esse tipo de recurso para marcar sua participação em grupos ou até mesmo "irmandades" como, por exemplo, no caso dos motociclistas, de algumas gangues ou mesmo de militares, criando, portanto, um tipo de "conexão" maior ou um elo de pertencimento ao grupo maior. (3-4)
Tatuagem também é uma forma de expressão
Ainda que nos dias de hoje se tatuar tenha ganho uma representatividade distinta daquelas que havia em algumas décadas passadas, uma coisa é fato: as pessoas se tatuam em momentos especiais de sua vida emocional.
Algumas, por exemplo, para celebrar um período de mudanças e de superação de vida, enquanto outras usam esse recurso como um modo de falar de maneira silenciosa.
Alguns pesquisadores chamam as tatuagens de um tipo de "agressividade passiva", ou seja, carregar imagens mais pesadas seria uma forma silenciosa de expressar algum tipo de indignação. Um estudo demonstrou que pessoas que possuem mais tatuagens relataram níveis mais altos de agressividade interpessoal e de rebeldia reativa. Assim, seria mais ou menos dizer que, quanto mais tatuagens uma pessoa tem, mais chances ela teria de ficar mais exaltada. (5)
Falar de maneira silenciosa, através das marcas de tinta, por outro lado, não precisa ser relativo à expressão de raiva, obviamente, mas também, das tristezas e dos desencantos pelos quais passamos. Muitas pessoas, de fato, apresentam certas limitações para se expor de maneira verbal e, em meu entender, se tatuar pode, em alguns momentos, fazer com que possamos nos valer das imagens como forma de registrar e partilhar nossas angústias mais íntimas.
E, aqui, caberia ainda mais uma consideração: da mesma maneira como as crianças fazem birra quando estão sentindo-se inseguras e pouco notadas –e aí talvez consigam ser atendidas –, não seria então a tatuagem, na vida adulta, parte de um mesmo mecanismo ou até, talvez, um tipo de pedido de ajuda para que possam ser percebidas (e talvez acolhidas) nos momentos de inquietude e de desamparo?
Portanto, é como se os desenhos acabassem sendo um tipo de "terapia" ao nos ajudar expressar nossas questões. Uma pesquisa, inclusive, confirmou que as pessoas que se tatuam apresentam níveis menores de ansiedade e de depressão semanas após terem se submetido aos desenhos. (6)
Conclusão
As tatuagens não são apenas arte, cicatrizes de tinta, reflexo de nossas angústias ou insatisfações, rituais de inclusão de grupo. Na verdade, no fundo, creio, talvez um pouco de tudo.
Nós, os humanos, eu acho, somos sempre muito pouco preparados para lidar com os períodos de mudança que a vida nos submete e acabamos, assim, tentando resistir às intempéries da existência que, de maneira inevitável, sempre nos deixarão marcados.
Marcas na pele, na personalidade ou até no coração. Talvez as tatuagens falem muito mais do que imaginamos. Quem sabe não sejam elas uma verdadeira janela para alma?
Basta saber lê-las.
Referências
- https://insider.si.edu/2015/12/debate-over-worlds-oldest-tattoo-is-over-for-now/
- https://www.psychologytoday.com/intl/blog/swim-in-denial/201310/if-tattoos-could-talk
- https://www.toptenz.net/10-terrifying-gangs-crime-syndicates.php
- https://www.army.mil/article/27582/tattoos_and_the_army_a_long_and_colorful_tradition
- https://www.theguardian.com/fashion/2015/oct/15/study-restores-link-between-tattoos-and-anger
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21641893
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