Topo

Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Qual salário realmente o deixaria feliz?

Dr. Cristiano Nabuco

17/04/2018 04h10

Crédito: iStock

Aqui está, de fato, um tema que ocupa boa parte de nossos pensamentos e por que não dizer, está entre as preocupações mais comuns junto à maioria das pessoas ao longo de toda a vida.

Interessante notar que, muitas vezes, quando perguntamos a alguém qual valor seria ideal para trazer a felicidade, muita gente, na verdade, não pensa, mas "chuta" uma quantia, sem uma noção mais clara ou aprofundada de análise.

É como se uma determinada remuneração ou, se você preferir, um valor específico assegurado no banco pudesse, magicamente, propiciar a abertura de uma porta por onde a felicidade entraria e, como ela, os problemas estariam como que "resolvidos".

Vejo essa ideia sendo transmitida, sistematicamente, através do tempo, pelas fábulas, lendas, mídia e por frases do tipo: "o dinheiro traz a felicidade", ajudando a criar ainda mais mitos desse famoso imaginário popular.

Mas há um número exato?

Aqui então entra em cena uma investigação recente, conduzida pelo psicólogo Andrew Jebb e equipe, da Universidade de Purdue, ao analisar dados do Gallup World Poll , um estudo internacional conduzido junto a mais de 1,7 milhão de indivíduos em 164 países. (1)

Quando foram examinadas as respostas dos participantes a questões relacionadas à satisfação com a vida e ao bem-estar – medidas do que se denomina bem-estar subjetivo – descobriu-se que há, de fato, um número ideal do contentamento econômico e que foi denominado de "saciedade de renda".

Uma das descobertas – que não deve ser novidade para ninguém – é que, embora seja um fenômeno global perseguir as altas rendas, essas cifras, entretanto, variam de maneira expressiva de lugar para lugar.

Por exemplo, os pesquisadores descobriram que a "satisfação com a vida" custa, anualmente, US$ 125.000 na Austrália, US$ 105.000 na América do Norte e US$ 100.000 na Europa Ocidental, mas apenas US$ 70.000 no Sudeste Asiático, US$ 45.000 na Europa Oriental e US$ 35.000 (aproximadamente R$ 120.000) na América Latina. (2-3)

Do ponto de vista global, a pesquisa indicou também outro achado, ou seja, descobriu-se ser mais barato para os homens estarem satisfeitos com sua vida (US$ 90.000) do que para as mulheres (US$ 100.000). Além disso, pessoas com educação superior precisam de mais recursos para se sentirem felizes, se comparadas àquelas com nível educacional mais baixo. (3)

Outro achado importante foi a existência do que se denominou ser o "ponto de inflexão", ou seja, para alguns, uma vez que o ponto de saciedade foi atingido, como descrito acima, algo inesperado aconteceu.

Eu explico.

Descobriu-se que após um determinado valor, a curva da satisfação começou a inverter, isto é, quanto mais recursos econômicos se obtinha, segundo a pesquisa, maior era a presença da infelicidade entre essas pessoas. (3)

Teoricamente falando, imagina-se que os salários mais altos acarretem maiores preocupações e demandas, fazendo jus ao antigo ditado americano: "mo money, mo problems" (tradução: "mais dinheiro, mais problemas").

O que talvez aconteça com as altas rendas é que, geralmente, elas são acompanhadas por maiores exigências de tempo, carga de trabalho, responsabilidade etc, limitando, de maneira expressiva, as oportunidades de desfrute das experiências positivas da vida. Assim, é possível que os problemas, na verdade, continuem a existir, mas, agora, viriam de outras fontes, que não a falta de dinheiro.

Por outro lado, no caso das pessoas com salários menores, boa parte de seu tempo é despendido junto a preocupações relativas às necessidades mais básicas, como ter comida suficiente, conseguir pagar o aluguel, ter dinheiro para poder cuidar da saúde etc. Sabemos que o dinheiro alivia este tipo de estresse, claro, mas, uma vez que esses problemas são equacionados, outros tipos de preocupações surgem. E não há dúvidas quanto a isso.

A felicidade pode significar coisas diferentes para pessoas distintas

Isso nos faz pensar então que há, verdadeiramente, uma diferença expressiva entre a avaliação de nossa vida, a partir do ponto de vista financeiro-pessoal, levando em consideração o bem-estar individual e o momento específico de cada um.

Uma renda alta, possivelmente, comprará muito daquilo que nos traz satisfação, mas não conseguirá ter força para nos trazer a felicidade. Pense com mais atenção e veja que uma coisa é completamente distinta da outra. (4)

Assim, uma vez que essas pessoas atingem novos patamares econômicos, inevitavelmente cairão na velha armadilha da comparação, ou seja, a métrica de sua realização começará a mudar e poderá, fatalmente, aumentar, pois será baseada em novos pontos de realização (ainda mais altos). (5)

E é simples perceber isso. Nunca lhe ocorreu olhar com mais cuidado o que acontece com alguns jogadores de futebol que nascem em ambientes mais simples e quando ganham muito dinheiro se mudam para localidades mais glamorosas e mais caras?

Muitos deles, após viverem por algum tempo nesses ambientes, quase sempre relatam profunda solidão e insatisfação, o que os faz novamente voltarem aos seus locais de origem – mais simples -, pois, assim, "comparativamente" aos demais, voltarão a se sentir, novamente, mais felizes.

Seria então a felicidade um aspecto derivado da comparação aos demais e, portanto, uma variável determinada socialmente?

Conclusão

Concorde você ou não, todos nós precisamos nos sentir importantes e, mais do que isso, precisamos nos sentir valorizados e admirados. E, para muitos, ganhar dinheiro é o atalho para essa condição. Entretanto, essa pesquisa reitera, definitivamente, que esse não é o melhor caminho. (1)

Mais importante do que ganhar, na verdade, é desenvolver um sentido maior para a sua vida, além de obter apenas mais e mais recursos econômicos.

Claro, todos nós devemos, legitimamente, perseguir nosso equilíbrio financeiro, mas, vai aqui uma dica: não coloque demasiada expectativa (ou energia) sobre sua capacidade de se realizar financeiramente, pois seu bem-estar, conforme apontou a pesquisa, não se encontra na quantidade ou tamanho de suas posses. (3-4-5)

Por outro lado, quem ainda insistir nisso, correrá o risco de gastar uma vida inteira para descobrir tardiamente – na velhice, e talvez de maneira bem amarga -, que esse não terá sido um dos melhores caminhos.

Pense nisso.

Mas, voltando à pergunta inicial: Qual é mesmo o salário que lhe faria feliz?

Deixo aqui a pergunta em aberto para que você possa respondê-la, agora de maneira mais reflexiva.

Uma pista apenas: "Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente", Érico Veríssimo.

Referências

  1. http://www.gallup.com/analytics/213704/world-poll.aspx
  2. http://www.financebr.com/35000-D%C3%B3lar-to-BRL
  3. https://www.sciencealert.com/how-much-money-you-need-be-happy-according-science-income-satisfaction-well-being
  4. http://time.com/money/4070041/angus-deaton-nobel-winner-money-happiness/
  5. https://lifeskillsthatmatter.com/how-much-money-you-need/

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!