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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

A perda de peso e a mudança nos relacionamentos afetivos

Dr. Cristiano Nabuco

10/04/2018 04h00

Crédito: iStock

É de conhecimento de todos o impacto que a obesidade vem causando em todo o mundo. Considerada como uma epidemia global, afeta 1 em cada 10 pessoas. No Brasil, entre a população em geral, levando em conta crianças e adultos, a obesidade chega a incríveis 53,9% da população brasileira. Entre a população adulta, pouco mais de 50% já são obesos (1-2).

Ao criar desdobramentos em praticamente todas as esferas de nossa existência, interfere nas relações sociais, impacta a economia e, obviamente, se faz notar de maneira expressiva em nossa saúde e em nosso bem-estar mais imediato (3). De todas as tentativas de controle, a cirurgia bariátrica tem sido uma das opções mais discutidas, quando o assunto é o alto índice de massa corporal (IMC) (4).

Para saber seu IMC, divida seu peso pela altura, depois divida o resultado novamente pela altura. Se o resultado der até 24,9, você tem IMC dentro da normalidade. Se for igual ou superior a 25, isso já significa sobrepeso. Se for igual ou acima de 30, você já seria considerado obeso. Igual ou acima de 35, você pode ser um candidato para cirurgia bariátrica, caso tenha diabetes. Se o resultado, por outro lado, for igual ou acima de 40, mesmo sem nenhuma doença, a cirurgia já seria recomendada.

No Brasil, um relatório da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) aponta um crescimento de 20% nos últimos dois anos no número de cirurgias. Já são 100 mil por ano no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, apontava um relatório de 2017 (5).

Impacto da cirurgia nos relacionamentos afetivos

Uma nova pesquisa feita na Suécia, entretanto, se debruça sobre um aspecto bastante peculiar, ainda não estudado, e que diz respeito aos efeitos das cirurgias sobre os relacionamentos afetivos (6). Pesquisadores descobriram que, em comparação com pessoas que não tinham passado pelo procedimento de cirurgia bariátrica, aqueles que haviam se submetido e eram casados tinham maior probabilidade de se separar ou se divorciar e, se fossem solteiros, apresentavam maior propensão a entrar em um novo relacionamento ou mesmo se casar.

Os dados apontaram para o seguinte: o primeiro estudo comparou 1.958 pacientes obesos, que fizeram cirurgia bariátrica, contra 1.912 que não haviam feito.

Segundo as investigações, os solteiros inicialmente eram em número de 999 pessoas. Nesse grupo, quatro anos depois da cirurgia, 21% se casaram ou iniciaram um novo relacionamento, se comparado àqueles 11% dos que não haviam feito a cirurgia. Uma década depois, as taxas de casamento ou novas relações mudaram ainda mais. Ou seja, foram quase 35% no grupo submetido à cirurgia e 19% no grupo que não havia passado pela cirurgia. Resumindo: houve um aumento expressivo das novas relações junto à população que passou pelo procedimento.

Entre os pacientes que estavam casados, a taxa de divórcio ou de separação após quatro anos da cirurgia foi de aproximadamente 9%, contra 6% no grupo controle. Já após os 10 anos, o número subiu para 17% no grupo de cirurgia e 12% no outro grupo.

Já no segundo estudo, dados obtidos do Registro de Cirurgia de Obesidade Escandinava (SOReg), compararam-se 29.234 indivíduos obesos que passaram pela cirurgia para perda de peso, versus 283.748 indivíduos pertencentes à população geral. As pessoas solteiras que foram submetidas à cirurgia bariátrica foram 35% mais propensas a se casarem, e junto aos já casados, os pacientes apresentaram 41% mais chances de se divorciarem do que aquelas pessoas que pertenciam à população geral.

Conclusão

Os resultados das investigações, na verdade, vão ao encontro daquilo que já, muitas vezes, sentimos em nossa prática da psicoterapia. Ou seja, uma perda de peso mais substancial faz com que muitos pacientes, que já se sentiam infelizes há tempos em suas relações afetivas, possam ter na cirurgia uma espécie de "empurrão" ou efeito alavanca em direção às mudanças que estavam em "pendência" em suas vidas, digamos assim.

Entretanto, vamos lembrar que a mudança inicial de peso, obtida pela cirurgia, em uma boa parcela dos casos, apresenta uma dificuldade de manutenção do novo peso, pois a modificação externa do corpo, necessariamente, não é seguida pela mudança interna e psicológica, o que colabora para muitos casos de fracasso do controle.

Eu explico.

Mudar o corpo e suas dimensões exige, obrigatoriamente, um progressivo e lento adaptar psicológico da mente. Assim sendo, muitos pacientes, embora se vejam "magros" no espelho, o reflexo não tem o poder de afetar a mente dessas pessoas que continuam a agir, muitas vezes, como obesas, ficando em alguns casos, inclusive, mais perdidas do que estavam antes. Caso você não saiba, é frequente ouvir relatos de que a autoestima desses indivíduos não foi, necessariamente, afetada pelo procedimento cirúrgico.

Estaria eu falando mal da cirurgia bariátrica? Claro que não, obviamente que não. Mas, apenas tentando lembrar que as dimensões psicológicas, que pedem uma alteração igualmente importante, não podem ser esquecidas. Assim, se não olharmos para nosso bem-estar "interno", o risco das famosas recaídas será imenso.

Estão aí as meninas com anorexia nervosa para mostrar que nem sempre ficar mais magro as faz sentir, em algum momento, mais satisfeitas com o seu corpo, certo? (8)

Que tal então perder peso por fora, mas também por dentro?

Referências:

  1. https://www.forbes.com/sites/brucelee/2017/06/13/global-obesity-epidemic-new-study-shows-how-big-a-problem-its-become/#7732ee2a2a2c
  2. http://jornal.usp.br/atualidades/numero-de-obesos-nao-para-de-crescer-no-brasil/
  3. http://www.oecd.org/health/obesity-update.htm
  4. https://renewbariatrics.com/obesity-statistics/
  5. http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/06/cirurgias-bariatricas-cresce-o-numero-de-pacientes-em-todo-o-mundo.html
  6. https://jamanetwork.com/journals/jamasurgery/article-abstract/2676728?redirect=true
  7. 8. https://www.usatoday.com/story/sponsor-story/bright-line-eating/2018/02/01/losing-weight-self-esteem/110020448/
  8. http://gatda.com.br/index.php/2016/02/26/imagem-corporal/

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!