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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Cérebro: quanto mais aprendemos, menos sabemos

Dr. Cristiano Nabuco

04/03/2015 08h00

© suppakij1017 - fotolia

© suppakij1017 – fotolia

Esse é um dos grandes paradoxos quando o assunto é o estudo do cérebro.

Ainda que os cientistas sejam capazes de estudar o funcionamento dos neurônios e das redes de neurônios, eles ainda não conseguem ter uma boa compreensão do quadro geral, de onde situar todas as informações.

Não sei se é de seu conhecimento, mas existem aproximadamente 100 bilhões de neurônios responsáveis por quase 1 (um) trilhão de conexões neurais. Pesquisadores tentam estudá-los individualmente, ou ainda em pequenos grupos, mas a tarefa parece estar longe de ser conclusiva.

"Talvez o maior desafio", afirma o neurocientista Rafael Yuste, "é que as funções cerebrais podem ser vistas a partir de tantas possibilidades como, por exemplo, partindo dos impulsos elétricos, passando pela bioquímica, pela estrutura física e chegando às redes entre os níveis, que a compreensão global torna-se praticamente impossível".

Das muitas metáforas usadas para se compreender nosso cérebro, a ideia de "mapa" ainda é provavelmente a mais útil, talvez porque essa forma de representação nos seja mais familiar como maneira de se obter uma boa visualização.

"Há um século, os mapas cerebrais eram como mapas da superfície da Terra, do século 16″, disse David Van Essen, pesquisador. E complementa: "Nessa época, grande parte era desconhecida ou ainda erroneamente delineada, mas agora nossas caracterizações são um pouco mais reais, ou seja, algo parecido com um mapa do século 18".

Se você acha isso rudimentar, eu lhe diria que há mais de 40.000 cientistas tentando compreender nosso cérebro a partir do "Human Connectome Project" – um consórcio de universidades americanas apoiado pelo Instituto Nacional de Saúde do mesmo país, que tem como objetivo criar uma descrição interativa das conexões do cérebro. (1,2)

Assim, cada forma de olhar para nossas conexões revela segredos cada vez mais surpreendentes, mas o quadro total e completo do cérebro humano ainda parece estar fora do alcance da ciência, acredita-se.

Mas, voltando à metáfora dos mapas como forma de representar nosso cérebro, dizem os pesquisadores que apenas agora começa a ficar mais claramente delineado o grau de conhecimento relativo aos continentes, cadeias de montanhas e rios. A grande esperança é que o "Human Connectome Project" possa avançar expressivamente através dos séculos 19 e 20 e, finalmente, consiga nos oferecer algo mais parecido com o que conhecemos hoje por Google Maps – uma descrição altamente interativa e pormenorizada de nosso entorno físico, mas a partir das estruturas cerebrais.

E, já que falamos em cérebro, quer saber uma das mais importantes descobertas do ano passado?…

O cérebro pode ser afetado pelo seu intestino

Pois é, a primeira vista, pode parecer bem estranho, mas essa é uma das grandes conclusões que levam a uma mudança importante nos paradigmas de estudos. (3)

Mas, voltando à questão: o que isso teria a ver com nosso cérebro?…

Eu explico.

Por caminhos ainda não compreendidos, a nossa microbiota (flora intestinal) é capaz de modificar nosso funcionamento cerebral. Acredita-se que essa influência se dê por substâncias que são liberadas pelas bactérias como, por exemplo, a serotonina, que, produzidas por nosso próprio intestino em resposta às bactérias existentes, caem na corrente sanguínea e, ao chegar ao cérebro, modifica-o e, consequentemente, interfere em nosso estado emocional.

Como cada pessoa tem um conjunto próprio de espécies de fungos e bactérias vivendo em seu corpo, uma vez que cada mucosa tem sua fauna individual, aspectos ambientais como, por exemplo, com quem você vive, se há animais em casa, o que come, podem vir a interferir em seu funcionamento mental.

"Isso abre uma maneira completamente nova de olhar para o funcionamento do cérebro, bem como reformula o conceito de saúde e de doença," afirmou o professor de medicina e psiquiatria Dr. Emeran Mayer. (4)

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado uma ligação positiva entre as variações nos micróbios do intestino junto aos quadros de autismo, depressão e ansiedade. Assim sendo, neste momento os neurocientistas tentam desenvolver uma compreensão mais aprofundada de como esse sistema não apenas exerce uma influência, mas também como afeta o desenvolvimento das atividades cerebrais. (4, 5, 6)

Para concluir, eu diria que, muito embora ainda estejamos engatinhando em nossas investigações, espero que o futuro possa nos trazer renovados conhecimentos e que as pesquisas científicas possam abrir, cada vez mais, a porta para uma vida emocional equilibrada, estável e duradoura.

 

Referências

  1. http://www.neuroscienceblueprint.nih.gov/connectome/
  2. http://www.loni.usc.edu/
  3. http://www.nature.com/news/gut-brain-link-grabs-neuroscientists-1.16316
  4. http://www.npr.org/blogs/health/2013/11/18/244526773/gut-bacteria-might-guide-the-workings-of-our-minds
  5. http://www.scientificamerican.com/article/gut-bacteria-may-play-a-role-in-autism/
  6. http://www.scientificamerican.com/article/gut-bacteria-may-exacerbate-depress/

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!