Topo

Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Amores virtuais: você já viveu o seu?...

Dr. Cristiano Nabuco

18/06/2014 09h00

© ArtFamily - Fotolia.com

© ArtFamily – Fotolia.com

No ano passado, um artigo publicado no The Wall Street Journal chamou atenção dos leitores, pois ele descrevia que, segundo advogados especializados em divórcio nos EUA, a maioria dos casos atuais de separação foi decorrente de interações iniciadas no mundo virtual, isto é, trocas constantes de e-mails, envio de mensagens de texto por celular e, principalmente, contatos sucessivos estabelecidos através das redes sociais, contribuíram para que 80% das divergências afetivas tivessem origem no mundo cibernético.

Outra fonte apontou que, apenas na França, 50% dos casos de divórcio tiveram origem nas redes sociais (Internet Addiction: A Handbook and Guide to Evaluation and Treatment).

Essas marcas são bastante expressivas e, dessa forma, não deveriam ser tratadas como coisas tão comuns. Assim, eu pergunto: o que faz com que o mundo virtual tenha se tornado um local tão frutífero para a criação desse tipo de ocorrência?… Estaríamos hoje, por exemplo, com menos tempo e paciência para administrar aquilo que os romances da vida real tanto requisitam? Ou ainda, estaríamos mais tímidos e introvertidos e as trocas eletrônicas seriam uma saída mais eficaz, resolvendo, portanto, dificuldades e inquietudes cotidianas?… São hipóteses plausíveis, mas, definitivamente, não creio que apontem as possíveis causas.

Quando há o interesse

Nas situações de contato social, ao escolhermos alguém, dependemos de informações que são colhidas durante uma interação, ou seja, nosso cérebro processa, em tempo real, dados de nossos pretendentes, como saúde, peso, altura, idade, que são combinados com informações mais sutis exibidas pela pessoa em questão, como tom de voz, grau de sensibilidade e inteligência, humor etc. Assim, em nosso processo de avaliação, cruzamos rapidamente mensagens decorrentes das duas fontes de informação (concreta + sensorial), obtendo então um veredito final sobre o outro (isto é, se a pessoa em questão nos é ou não aprazível).

Vamos lembrar que esse processo de avaliações instantâneas sempre cumpriu um papel importantíssimo junto aos nossos antepassados, pois na ausência de opiniões mais detalhadas (que levam mais tempo), as pistas sensoriais eram utilizadas para avaliar rapidamente se uma pessoa seria confiável ou não para integrar o bando e assegurar a proteção.

Os contatos na vida real nos dias de hoje ainda seguem, portanto, as mesmas regras: Quando conhecemos alguém, avaliamos visualmente, sentimos o que sua voz nos passa de informação etc., ou seja, as sínteses de interpretação vão sendo feitas, entretanto, quando o contato ocorre no espaço virtual, é criado um problema.

Por mais que consigamos as primeiras informações através de uma foto (idade, vestimenta, localização), ficamos totalmente privados das pistas intuitivas e sensoriais, pois não estando fisicamente na presença do outro, nossas impressões ficam repletas de espaços vagos, não preenchidos e que seriam de suma importância para guiar nossa avaliação.

Ocorre então que, sem perceber, começamos um processo de preenchimento das informações ainda "faltantes" no outro e, dessa forma, nossas idealizações entram em ação dando o contorno à imagem inacabada. Na tentativa de concluir nossa apreciação, nosso próprio desejo pessoal de construir um objeto de afeto e carinho é acionado.

Nesse sentido, a informação está, em última instância, inconclusa e totalmente aberta à interpretação da mente humana, sendo então costurada por nossos sonhos, carências, expectativas e, por que não dizer, por toda nossa capacidade de fantasiar e projetar a pessoa ideal.

Resumo da ópera: os amores virtuais, na verdade, tornam-se os verdadeiros depositários das ambições afetivas não experimentadas. Por isso é que, muitas delas, tornam-se tão sedutoras, arrebatadoras e hipnotizantes.

Até posso ser acusado de exagerado, entretanto, ainda assim continuo a dizer que esse processo ocorre, mesmo que você nunca tenha se apercebido. Por acaso você já resistiu em dar uma olhada naquele amor adolescente "apenas para saber como a pessoa está hoje"?… Pois bem, obviamente que estamos falando de algo muito menor, entretanto, nossos sonhos estão sempre lá, silenciosos e aquietados, mas prontos para serem estimulados.

Veja que nos caso das relações estáveis que mantemos com um cônjuge nos dias de hoje, tais "memórias" pouca interferência exercem em nós, mas no caso das relações incompletas e frustrantes que experimentamos (como as relações falidas), tais embalagens de expectativas ganham renovada força.

Conclusão

Desde cedo somos instruídos pelos adultos a sonhar, isto é, através das estórias infantis providas do desfecho afortunado, princesas despertam do sono profundo, do bem prevalecendo sobre o mal e assim, os finais felizes sempre exerceram uma poderosa influência (e fascínio) na formação de nossa psicologia pessoal.

Assim, ainda que hoje tenhamos atingido a maturidade, as tendências de viajar no mundo fantasioso ainda executam plenamente seu poder e dessa forma a internet consegue, de maneira talentosa, abrir a caixa de pandora emocional de cada um.

Sorte de quem é adulto (emocionalmente falando) e se apercebe que muitas das fantasias talvez nunca devam ser vividas no mundo real, pois são apenas e nada mais do que criações infantis, entretanto, para aqueles que não distinguem isso, a vida virtual se torna o espaço ideal para que os amores do século 21 possam ser experimentados sem receios e desinibições ao comprometer de maneira profunda, em muitos casos, anos de experiências e de vidas roubadas, não vividas.

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!