Topo

Blog do Dr. Cristiano Nabuco

A vida moderna está nos consumindo?

Dr. Cristiano Nabuco

17/08/2013 10h00


© alphaspirit – Fotolia.com

Hoje eu escreverei este texto para você.

Eu aposto que nos últimos dias alguém lhe contou que não aguenta mais a vida. Que sente o tempo passar de maneira descontrolada e que, mal a semana começa, já chega a quinta-feira e com ela, o final de semana, mal aproveitado, diga-se de passagem.

E, ao que tudo indica, é muito possível que não apenas seu amigo se sinta assim, mas você também, assim como eu, todos nós, sentimos que a vida, literalmente, escorre pelas mãos.

É como se tivéssemos um sentimento de que alguma coisa está fora do lugar e, embora não saibamos direito ainda o que é, o fato é que acabamos vivendo de uma maneira na qual nossa satisfação pessoal acaba passando longe, bem longe. Já me perguntei se nossos avós ou bisavós também teriam este sentimento e, em meu caso, como nenhum deles é vivo, fico sem resposta, mas imagino que ouviria mais ou menos o seguinte: "não, meu filho, nós não vivíamos assim".

Pois é, tentando não ser muito simplista, posso concluir que nossa modernidade ou, se você preferir, "os dias de hoje", contenham alguma parcela nesta equação do desespero.

O que você acha? Também se sente assim?…

Vamos ampliar então um pouco nossa análise.

Trabalho

Pois é, aqui começa um dos grandes dilemas. Não sei se seria seu caso, mas é bem difícil ouvir de alguém que finalmente conseguiu ter (enfim!) o senso de realização profissional. Honestamente, não saberia dizer se isso é algo relativo à nossa vida nos grandes centros urbanos, mas sempre, quase que invariavelmente, carregamos a sensação de que ainda não fizemos o bastante. É aquela promoção ainda não alcançada, a entrada naquele doutorado que mais parece cena do filme "missão impossível" ou, ainda, a sensação de não termos achado a ocupação de nossa vida.

Portanto, ao que tudo indica, é tarefa das mais difíceis conseguir fazer as pazes com a nossa vida profissional e podermos assim dizer que nos realizamos, finalmente. Não vou citar nenhuma pesquisa hoje, mas é o que muitas delas sugerem. Sentir ter "chegado lá" não é das afirmações mais frequentes.

E você? Em sua opinião, sente-se plenamente satisfeito com sua ocupação?

Relacionamentos

Bem, aqui se encontra um dos maiores candidatos ao dilema oficial deste artigo. Volto a pensar em nossos avós e bisavós, mas ao que parece, em meu caso, aparentemente, desfrutaram de uma vida afetiva estável. Pergunto-me sempre se isso seria coisa de antigamente e, honestamente, não saberia lhe dizer, mas particularmente tenho dificuldades de encontrar pessoas que se sintam plenamente satisfeitas com seus parceiros afetivos. Sejamos razoáveis, pois não estou falando de questões menores e intrínsecas a qualquer relacionamento normal como divergir a respeito da educação dos filhos, por exemplo, ou decidir sobre como usar os recursos econômicos do casal.

Estou falando, na verdade, da dificuldade efetiva em achar aquilo que um dia batizaram de sua "alma gêmea" ou aquela pessoa ideal, como o sinônimo da felicidade. A propósito, me parece que grande parte das pessoas também passa a vida inteira buscando o amor idealizado e, como no caso do trabalho, parece que ele nem sempre chega, de fato.

Trabalho, casamento, o que mais?…

Autoestima

Bem, seguramente, aqui é a zona mais pantanosa do texto. Enquanto falamos do trabalho ou dos relacionamentos por assim dizer, que são coisas mais concretas e a sorte pode lhe ter dado uma mãozinha, inclusive, falar de nossa estima pessoal e de quebra de nossas inseguranças, não é das atividades mais confortáveis.

Vou ajudar, pois tenho bastante experiência nisso. Vamos lá: Por acaso você tem uma noção clara dos pontos que lhe fazem ser emocionalmente mais vulnerável? Consegue identificar com certa habilidade quais são as deficiências que carrega ao longo de sua vida? Ou ainda, já conseguiu entender por que se descontrola sempre nas mesmas situações?

Bem, se você for uma pessoa comum, conseguirá responder "sim" a apenas uma ou duas de minhas perguntas. Isso quer dizer que vivemos sem ter muita percepção das coisas que efetivamente nos fazem mal e de quem somos.

Bem, se então vivemos uma vida tentando superar nossas dificuldades, onde, de fato, estaria a causa de nossas inquietudes?

Viver na modernidade

Pois bem, talvez aqui esteja então um dos pontos centrais deste constante sentimento de desconforto. Eu explico.

Ao que parece, viver nos dias de hoje nos acarreta, certamente, perder o contato com nossas necessidades mais profundas. Sempre temos muita pressa para realizar alguma coisa, sempre nos sentimos cobrados a ter que fazer algo a mais, em procurar conseguir um corpo melhor, em sermos mais cultos, morarmos em casas melhores, viajarmos para poder conhecer mais lugares, acumular mais dinheiro e, assim, a vida passa muito rapidamente, porém, correndo o risco de não ter muito contato com ela.

Entendo que este senso de urgência faz com que acabemos, sem perceber, perdendo a ligação com nossa intimidade e assim tornamo-nos estranhos a nós mesmos, anestesiados pelo cotidiano que apenas passa. No final das contas, nem mais sabemos direito o que somos ou o que realmente desejamos.

A propósito, quem é mesmo você? E aonde mesmo gostaria de chegar?

É possível que você ainda não saiba as respostas, e isso é bastante normal. Entretanto, tente passar um pouco de tempo com você mesmo, sem expectativas, promessas ou desejos.

Recolha-se, às vezes.

É bem provável que você se surpreenda com níveis progressivos de bem-estar, que não passam tão rápido como na compra do carro novo ou da promoção tão esperada.

Conclusão

Talvez o problema da vida moderna, não seja a vida moderna propriamente dita, mas a forma com que escolhemos passar por ela.

Cuidar de si mesmo embora tenha se tornado uma tendência contemporânea, na verdade, tal cuidado acaba por atuar muito mais em nosso exterior, ou seja, naquilo que primordialmente é visto e percebido pelo mundo. Neste processo, acabamos por esquecer-nos de nós mesmos e assim mergulhamos na busca incansável de reconhecimento e consideração social.

Não vivemos, sobrevivemos.

É possível que uma das melhores saídas seja então a real busca de nós mesmos em um desenvolvimento gradativo. Ao seguirmos por esse caminho, provavelmente a vida moderna deixará de nos distrair para, positivamente, nos ajudar. Assim sendo, cuide primeiro de você (seu íntimo) para depois poder cuidar de seus anseios de realização.

© Mopic – Fotolia.com

Entendeu o que eu quis dizer? Você quer que eu explique melhor?

Não posso. Todavia, vou lhe dar uma pista.

Mario Quintana, escritor e poeta gaúcho, dizia: "o segredo é não correr atrás das borboletas… é cuidar do jardim para que elas venham até você".

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!