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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Tarifa R$ 3,20: Aspectos psicológicos das manifestações

Dr. Cristiano Nabuco

18/06/2013 07h00

Danillo Sperandio/UOL

Para ninguém é novidade ouvir nova notícia a respeito de uma passeata que estaria novamente marcada para ocorrer em São Paulo, Rio ou qualquer outra cidade de nosso país. São centenas ou milhares de pessoas tomando partido das manifestações e, como sempre, enfrentando a polícia, reivindicando seus direitos com todas aquelas justificativas que conhecemos tão bem.

Dezenas de opiniões são discutidas na mídia a exaustão por jornalistas, cientistas, acadêmicos, advogados, políticos, no que diz respeito aos aspectos econômico, filosófico e, finalmente, das questões sociais que estariam justificando tais ações. No entanto, independente de você ser contra ou a favor, o que ninguém ainda abordou foram os aspectos psicológicos destas manifestações.

É comum observar um desconhecido dando cobertura ao outro, algum líder se destacando em meio à aglomeração, apenas para citar alguns exemplos. É como se a multidão ganhasse vida própria e isto provavelmente se dá porque a identidade social de pessoas em um grupo é fluida e muda muito rapidamente.

Especialistas afirmam ser um sentimento não muito diferente do que os espectadores experimentam em uma competição esportiva ou em um concerto de rock. Mas porque este protesto não é focado em um jogo ou em algum outro evento qualquer, o movimento ganha contornos de irracionalidade (como aconteceu no Rio no dia de ontem). Não que delinquentes ou ladrões também não se aproveitem disso, mas outras coisas, na verdade, estariam por detrás disso.

Os fatores que compõem estas manifestações são muito complexos e nem de longe tenho a pretensão de esgotar o assunto aqui, entretanto, o que muita gente não sabe, é que este tipo de protesto ganha rapidamente um sentimento de legitimidade junto aos seus participantes (quer a justificativa seja razoável ou não).

Causas psicológicas das manifestações

Vamos começar nosso raciocínio muito tempo atrás, em nossa história. Vamos então voltar à época em que o homem primitivo tinha que conviver com um ambiente bastante imprevisível e precisava assegurar continuadamente sua sobrevivência. Além de tentar buscar alimento, havia a necessidade de se proteger e ter de cuidar de ameaças contínuas como, por exemplo, enfrentar animais selvagens ou tribos inimigas. Portanto, não era das tarefas mais fáceis viver aquele período.

Por conta deste ambiente extremamente hostil, o homem instintivamente percebeu que andar em bandos ou em grupos lhe conferiria maiores chances de sobrevivência. Assim, caçar com a ajuda de outros era mais fácil, além de ser mais eficaz; bem como buscar pessoas para se acasalar e buscar proteção. Desta forma, o grupo se tornou uma grande referência. Ocorre que, com o passar do tempo, tais aprendizagens se tornaram instintivas, pois demonstraram ser mecanismos poderosos de sobrevivência.

Vou dar um exemplo para facilitar seu entendimento. Pesquisadores afirmam que a comida fácil e segura (como aquela que obtemos em algum supermercado) é algo extremamente recente em nossa evolução. Dizem, por exemplo, que, se formos usar uma metáfora métrica para entender esta jornada da falta de alimento desde o nosso aparecimento até os dias de hoje, teríamos percorrido cerca de "100 metros". Entretanto, a comida farta apenas teria aparecido no "último centímetro" deste longo caminho.

Portanto, dado o longo tempo de dificuldades vividas, nosso cérebro ainda nos empurra diariamente em direção a comidas mais calóricas, pois ele ainda não sabe (ou não teve tempo de "aprender") que existem poucas chances de ficarmos novamente sem alimento. É por esta razão que muitas vezes ainda escolhemos os alimentos mais calóricos, pois nosso instinto ainda nos guia.

Do ponto de vista da proteção, também ocorre o mesmo e aqui reside o ponto central de minha questão. Vou explicar.

Quando muitas pessoas estão reunidas em grupo e emocionadas, qualquer causa externa pode facilmente se tornar o gatilho para que áreas mais ancestrais de nosso cérebro assumam o comando de nossas ações e nos façam agir de maneira impulsiva na busca da proteção do grupo, pois isso vem ocorrendo, pelo menos, nos últimos 10 mil anos. Portanto, nestas ocasiões todos perdem sua sensatez a agem de maneira instintiva, como jamais fariam em outras circunstâncias.

Se você já esteve na multidão alguma vez, inconformado a respeito de alguma injustiça, provavelmente aprendeu que estar lá pode ser profundamente contagioso. As pessoas comuns, cidadãos normais, ficam movidas a fazer coisas que seria improvável ocorrer em outras circunstâncias: gritando, empurrando, jogando pedras, quebrando janelas, e até mesmo se envolvendo em saques.

É bem possível que as competições de hoje como, por exemplo, os jogos de futebol, com suas torcidas enfurecidas, nada mais sejam do que um exemplo deste funcionamento mental mais antigo. Vamos lembrar que mesmo nas situações onde um time sai vencedor, não é raro ouvir que sua torcida saiu às ruas destruindo tudo e a todos (mesmo na ausência de um possível "inimigo").

Assim sendo, os protestos que estamos assistindo nestes dias, embora contenham as mais variadas justificativas, uma parcela desta força motriz que impulsiona estes movimentos diz muito a respeito das áreas mais primitivas de nosso cérebro e que talvez, por um bom tempo ainda, possam atuar sobre nosso comportamento sempre que estejamos em grandes grupos.

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!