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Ficar em silêncio é passo importante para termos mais saúde mental

Dr. Cristiano Nabuco

22/01/2019 04h00

Crédito: iStock

No cotidiano de nossa realidade moderna, somos estimulados, de maneira ininterrupta, através das mais variadas formas e, assim, os momentos de quietude e de introspecção, que são tão importantes ao nosso equilíbrio psicológico, tornam-se cada vez mais escassos.

Veja só, no mundo atual, os adultos fazem, aproximadamente, o envio de 94 mensagens de textos por dia e, no caso dos mais jovens, esse número facilmente dobra, segundo estatísticas americanas. E aqui no Brasil, as coisas não são muito diferentes: um levantamento apontou que 97% dos usuários de celulares possuem o programa do whatsapp em seus aparelhos móveis, o que já nos dá uma ideia do quanto estamos absorvidos por esse e outros aplicativos. Cinco segundos, dizem, é o tempo médio estimado que uma pessoa leva para dar a resposta a uma pergunta que acaba de chegar através das plataformas digitais.

Isso tudo, sem falar, obviamente, nas outras formas de estímulos mais tradicionais que estamos habituados e que nos atingem de maneira ininterrupta como, por exemplo, as conversas contínuas que temos no trabalho, as demandas provenientes da família e da vida social como um todo que, somadas, absorvem, de maneira contínua, nossa concentração e nossa atenção. Inclusive, por isso que temos a clara impressão de que hoje em dia o tempo passa muito mais rápido do que em nosso passado. (1-2-3)

Em função de empregarmos nossa consciência ativa, boa parte do tempo, para solucionar os problemas externos, inevitavelmente sacrificamos a percepção que vem "de dentro" de nós, ou seja, os sentimentos e as emoções que brotam a todo o momento acabam se tornando secundárias em nosso fluxo mental. Com nossa atenção quase que integralmente absorta, os momentos de quietude desaparecem e, desta forma, nossa capacidade reflexiva deixa de ser executada.

Na Grécia antiga, por exemplo, a contemplação ocupava um papel central na vida e no exercício da capacidade intelectiva humana; o famoso ócio criativo era, assim, de fundamental importância. Por essa razão, o trabalho era tido como a expressão da miséria humana e, portanto, pouco valorizado naquela sociedade.

Para famosos pensadores, como Aristóteles e Platão, a atividade laboral estava ligada ao campo das necessidades humanas, como o alimentar-se e o resguardar-se. Curiosamente, a própria origem etimológica da palavra "trabalho", nas línguas latinas, tem uma descendência do vocábulo latino "TRIPALIU" que era nada menos do que um instrumento de tortura e que, formado por três paus, serviam para "estripar" as vísceras dos prisioneiros. (4)

Obviamente que essa mentalidade se modificou gradualmente, embora alguns pensadores ainda mencionassem, ao longo do tempo, a importância do silêncio e do recolhimento pessoal. Em 1660, o filósofo francês Blaise Pascal afirmou que "a única causa da infelicidade do homem é ele não saber mais ficar quieto em seu quarto".

E, claro, de lá para cá, paulatinamente, as coisas se agravaram. Após a Revolução Industrial, para quem não se recorda, ficamos cada vez mais absorvidos, a ponto de, nos dias de hoje, ficar ocioso e desocupado pode colaborar com a criação de uma reputação pessoal negativa perante os demais.

A necessidade de ocupação constante chegou a tal ponto que, no ano passado, no Japão, o governo passou a solicitar que os empregadores criassem períodos sistemáticos de descanso, como uma forma de contrabalancear a quantidade de horas extras que são realizadas pelos trabalhadores. Em 2016, uma pesquisa daquele país junto a 10 mil trabalhadores descobriu que mais de 20% deles estavam fazendo mais de 80 horas extras por mês. (5)

Não faltarão exemplos dessa sobrecarga de atividades que ocorre em todo o mundo e, em todos os níveis, imagino eu e, praticamente ninguém, teria alguma objeção a respeito do fato de termos ficado, efetivamente, muito assoberbados e, por consequência, cada vez mais distraídos e inquietos.

Entretanto, colocando essa situação em perspectiva, eu perguntaria: o que esse excesso de estimulação mental estará fazendo conosco? Existiria algum efeito colateral à nossa vida emocional, além do conhecido estresse e suas variações psicossomáticas?

Infelizmente, a resposta é que "sim".

Eu vou por partes, pois o assunto é importante.

O papel da autorreflexão

A razão pela qual devemos incentivar o silêncio e o isolamento intencional – ao contrário do que pensamos ser, muitas vezes incorreto – é porque a autorreflexão ocupa um papel extremante importante para o desenvolvimento e o aprendizado humanos. John Dewey, um importante psicólogo, já afirmou que as experiências sozinhas não são suficientes para provocar o amadurecimento e a mudança em direção a um maior amadurecimento pessoal.

Assim, uma coisa é estarmos ocupados com os afazeres externos, outra coisa, completamente distinta, é estarmos assimilando e nos transformando (internamente) a partir desses eventos que rotineiramente ocupam a percepção.

Quem está familiarizado com as questões de saúde mental sabe que, à medida  que as situações se apresentam, nossa mente precisa de "um tempo" para poder ancorar as novas informações e assim ter a oportunidade de criar novas conexões e sinapses.

Ao respeitarmos esse intervalo de tempo, o cérebro tem mais possibilidades de realizar as associações mais profundas frente às experiências que já temos armazenadas na memória e frente às novas que estão nos chegando a cada instante.

Assim sendo, para que possamos dar nomes àquelas emoções que sentimos – e muitas vezes sequer percebemos -, necessitamos executar uma função cerebral que compreende duas etapas, a saber: (a) precisamos de alguns segundos para uma rápida introspecção e assim nos dar conta de como as coisas nos chegam e (b) dois milissegundos após, dar ao cérebro a possibilidade de milissegundos depois conseguir explicar aquilo que sentimos.

Esse processo paralelo de processamento de informações – ou "dialético", como dizem, de construção de significados – está, na realidade, no coração de tudo que se torna importante e significativo para nós. (6)

Como nossa vida nos dias de hoje é, digamos, intensa ao limite, tona-se vital que possamos, de tempos em tempos, nos recolher e poder assim, deliberadamente, deixar a nossa consciência "em pausa" ou suspensão para que possamos, progressivamente, compreender aquilo que estamos sentindo.

Como existe, portanto, esse "tempo" natural cerebral, necessário no processo de interpretação, estarmos em ambientes conturbados e turbulentos faz com que a nossa mente esteja em maior prontidão para responder às demandas externas ao deixar, desta forma, em pausa, as mais variadas demandas emocionais que tanto necessitam de uma melhor deliberação e uma acomodação interna mais profunda.

Vamos lembrar que nossa capacidade de refletir e pensar de maneira mais precisa e correta, semelhante a um exercício físico, necessita, obviamente, ser praticada com certa constância, garantindo assim que seu aperfeiçoamento possa ser atingido. Tenhamos em mente então que, se não usarmos desses períodos intencionais de silêncio e de quietude como uma janela de oportunidade (para instigar as reflexões mais profundas), corremos o risco de nos tornarmos cada vez mais rasos e superficiais.

Está claro?

Benefícios do silêncio e da solidão intencional

Segundo a Associação Americana de Psicologia, o silêncio permite que possamos descontinuar de maneira saudável as atividades que vínhamos fazendo e, ao agir assim, podemos "reiniciar" nosso cérebro, reabastecidos de foco e de renovada concentração, o que faz aumentar, obviamente, a produtividade.

Dessa forma, ao intercalar os períodos de atenção com pequenas pausas de quietude e introspecção – removendo ao máximo as distrações e interrupções externas -, mais robusta será a concentração mental desenvolvida após o retorno às atividades. (7)

Outro aspecto de fundamental valor é o de que no silêncio e na solidão voluntária, temos a oportunidade de descobrir melhor aquilo que sentimos, ou seja, ao nos observarmos intimamente (sem as constantes desatenções), podemos fazer uma "ligação direta" com o lado emocional do cérebro e, como resultado final, pensamos melhor e mais profundamente. (7)

Para concluir, a suspensão mental calculada, além de propiciar uma série de outras vantagens específicas (como a mudança da morfologia cerebral), nos possibilita uma melhor compreensão de quem somos, do que gostamos e, o mais importante, de como desejamos viver nossa vida. E assim, ao perceber esse contorno emocional pessoal com mais claridade, é provável que façamos melhores escolhas existenciais e com menos arrependimentos. (7-8)

Conclusão

Para quem ainda não percebeu, a pista que estou tentando passar com o que estamos abordando é a de que, no fundo, o silêncio e o isolamento voluntário nada mais são do que oportunidades ou formas alternativas – e extremamente necessárias – de assossegarmos nossa mente e nosso interior, tão vitais ao equilíbrio emocional.

Assim sendo, aquiete-se e diminua o risco de se tornar (ou permanecer) confuso, desorientado e perdido de si mesmo. Vai minha dica: comece, por exemplo, praticando o silêncio uma vez por dia. Tenho certeza de que você irá se surpreender. Não é à toa que aquele antigo provérbio árabe já dizia: "A palavra é prata, o silêncio é ouro".

Referências

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Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!