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40% de nossas memórias de infância são falsas

Dr. Cristiano Nabuco

25/09/2018 04h00

Photo by Kelly Sikkema on Unsplash

Pesquisadores realizaram uma das maiores pesquisas sobre as primeiras memórias que as pessoas trazem e descobriram que quase 40% das recordações que temos a respeito de coisas, na verdade, nunca existiram, de fato.

Pesquisas atuais indicam que as primeiras memórias que as pessoas possuem datam, aproximadamente, da fase dos três aos três anos e meio de idade. Entretanto, um novo estudo, conduzido junto a uma amostra de mais de 6500 pessoas, apontou que as coisas são um pouco distintas.

Eu explico.

Para investigar as primeiras recordações que os sujeitos traziam, os pesquisadores pediram, inicialmente, que os participantes detalhassem seus primeiros registros de acontecimentos um dia experienciados por cada um, bem como a provável idade em que os mesmos teriam acontecido. Em seguida, foram informados, adicionalmente, de que a memória recordada precisava, necessariamente, possuir um registro "claro", ou seja, não deveria ser baseada, por exemplo, em alguma fotografia, história familiar ou qualquer outra fonte que não fosse a experiência concreta vivida por cada um.

A partir desses relatos, os pesquisadores examinaram o conteúdo, a linguagem, a natureza e os detalhes descritivos dos eventos relatados pelos entrevistados, atestando, assim, a autenticidade (ou não) desses acontecimentos.

Parte expressiva dessas memórias, descobriu-se, datavam de um período anterior aos dois anos de idade, o que levou os pesquisadores então a perceber que essas recordações, na verdade, não eram baseadas nas vivências particulares em si, mas, sim, nos fragmentos de acontecimentos anteriores –como, por exemplo, a cor de um determinado brinquedo ou alguma situação –, "ouvida" por essas mesmas pessoas em algum momento da vida.

Como resultado, chegou-se ao fato de que muito das temáticas que carregamos como "episódios verdadeiros" de nosso passado são, à rigor, representações mentais que foram sendo associadas, progressivamente, pela nossa mente, transformando-se, posteriormente, nos acontecimentos "reais" que relatamos como verdadeiras experiências de nosso tempo passado –em vez de, portanto, recordações derivadas dos fatos claros e pontuais.

Em particular, finalizaram os pesquisadores, essas memórias muito antigas foram vistas, inclusive, como mais frequentes não em jovens, mas nos adultos e nos idosos, conferindo a incrível marca de que 4 em cada 10 pessoas reviviam memórias "fictícias" de sua infância, e não os verdadeiros registros das experiências reais que haviam, efetivamente, passado.

Conclusão

Já não é de hoje que sabemos que nossas recordações pessoais, além de serem muitas vezes falsas, também sofrem uma profunda alteração de conteúdo, agora derivada de nosso estado de humor. Isto é, se uma pessoa estiver deprimida, a chance de ela se recordar de mais eventos negativos de seu passado é muito maior do que se ela estiver, por exemplo, vivendo momentos de felicidade ou de euforia.

É por essa razão que precisamos sempre ouvir com muita cautela aquilo que pensamos ter sido uma verdade.

Grande parte de nossas lembranças passadas são, no fundo, reconstruções de memória a partir de nossa experiência presente e que esse processo de recordação mais se parece, portanto, a um ato de ficção do que uma lembrança legítima de algum evento vivido.

Resumo da conversa: reconstruímos nossa vivência a partir de como nos sentimos e de como acreditamos ter sido, e não a partir do que, realmente, passamos.

Imagine se sua lembrança de rejeição ou de pouca consideração não for, efetivamente, verdadeira, mas uma reconstrução atual? Quanto sofrimento poderíamos evitar?

O que fazer?

  1. Mentalmente, foque mais atenção nas suas possibilidades do que em suas limitações;
  2. Destine menos tempo de sua vida rememorando os acontecimentos adversos e, assim não os mantenha tão presentes em sua consciência e, finalmente;
  3. Como jamais saberemos se parte de nossas experiências passadas foram (ou não) reais –ou se imaginárias –, reinvente-se a partir do que deseja, de fato viver, agora.

 

Referência

http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0956797618778831

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Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!