Por que algumas pessoas usam mais as redes sociais do que outras?
Dr. Cristiano Nabuco
14/08/2018 04h00
Pois é, essa é uma questão que se encontra no âmago das preocupações dos pesquisadores e cientistas do comportamento e, de uma maneira geral, diria eu, tornou-se uma inquietação das mais amplas e gerais, conseguir manejar de maneira "adequada" a tecnologia.
Há, em função disso, uma série de ações que vêm sendo praticadas em vários países como, por exemplo, a proibição dos celulares em escolas, junto aos estudantes do primeiro e segundo graus; restrição de acesso a alguns sites tidos como "proibidos", a partir dos computadores de algumas empresas, softwares de controle parental instalados nos celulares de muitas crianças etc, mas, ainda assim, os esforços parecem ser, na maioria das vezes, ineficazes. (1-2-3)
E uma coisa é indiscutível: os usuários, claramente, perderam a mão.
Mas, afinal, o que estaria nas bases do uso descontrolado de algumas pessoas? A pergunta, que até então seguia sem uma boa explicação, agora é respondida por uma nova investigação. (4)
Acompanhe meu raciocínio, que irei explicar.
O primeiro elemento do descontrole, que foi descoberto, está diretamente relacionado aos seguintes aspectos:
Personalidade
Achou-se que as pessoas que são mais altruístas e humanitárias apresentam uma menor atração às redes sociais, ou seja, são mais desprendidas, psicologicamente falando, criam um efeito autoprotetor maior frente aos efeitos exercidos pela web. Como resultado, tais indivíduos acabam por gastar menos tempo navegando nos sites, se comparados, por exemplo, àqueles que possuem estilos de personalidade mais egocêntrica. (4)
E a razão é bastante simples.
Veja só: pessoas que possuem maiores níveis de altruísmo naturalmente carregam uma maior habilidade de se colocar no lugar dos outros (mais empatia) e assim conseguem, com mais facilidade, conectar-se com as pessoas do entorno físico. Por outro lado, as que são classificadas como possuindo traços de personalidade com maior egoísmo, recorrem, preferencialmente, às conexões digitais, pois, através dessas plataformas, conseguem "regular", com mais facilidade, o nível de exposição pessoal, sem tanta ameaça e risco exagerado de revelação. (4)
Caso você ainda não saiba, pesquisas anteriores já haviam demonstrado que as pessoas mais narcisistas usam mais as redes sociais do que pessoas menos narcisistas. (5)
Um importante preditor do uso abusivo, revelaram os pesquisadores, relaciona-se com outro aspecto bastante importante. Vamos a ele:
Inteligência emocional
Como sabemos, a capacidade de perceber nossas próprias emoções e reagir de maneira adequada a elas (sem muito receio ou insegurança) prediz maiores habilidades de superação das dificuldades cotidianas. Assim sendo, as pessoas que foram classificadas com maior grau de manejo de sua emoção, relataram os pesquisadores, usaram as mídias sociais com menor frequência do que aquelas que apresentaram níveis inferiores de inteligência emocional. (4)
Sabe por quê? As pessoas "mais travadas", digamos assim, como se sentem desconfortáveis em expressar suas emoções e sensações pessoalmente, em vez de fazê-lo de maneira aberta e direta através da fala, o fazem melhor através dos "textos".
As interações digitais (que são, fundamentalmente, baseadas na escrita) lhes permitem maior tempo para processar informações sociais e, assim, poder escolher com mais cuidado as palavras que serão usadas para denotar seus estados emocionais – sem muito medo e risco.
Portanto, uma menor capacidade de se colocar no lugar dos outros (menor empatia e menor habilidade de transitar pelas próprias emoções), mostra-se maior tendência ao uso das plataformas digitais para os relacionamentos sociais.
Entenda o estudo
Para chegar a essas conclusões, pesquisadores se basearam em quatro pesquisas que compuseram uma amostra total de 1.200 adultos e, assim, utilizaram escalas que avaliavam narcisismo, empatia, inteligência emocional e habilidade de reconhecer as emoções. (4)
A partir destas variáveis, mediu-se a frequência pela qual os participantes verificavam e postavam nas três maiores plataformas do momento, ou seja, Facebook, Twitter e Instagram.
O resultado?
Achou-se que as pessoas mais empáticas, por exemplo, usaram o Twitter com menor frequência do que aqueles que não eram tão atentas e sintonizadas aos outros. Além disso, aqueles indivíduos que eram mais propensos a se colocar no lugar das outras pessoas, não passavam tanto tempo no Facebook e no Instagram quanto os menos habilitados em experimentar o ponto de vista dos demais.
Outra descoberta interessante foi que as pessoas que pontuaram alto em um teste de leitura das emoções dos outros também usaram o Twitter e o Facebook com menor regularidade, se comparados aos que pontuaram menos nas escalas de empatia e de inteligência emocional.
Conclusão
O resumo de toda essa discussão, na verdade, revela que quanto mais habilitados formos para interagir cara a cara com as pessoas e com nossas próprias emoções, menor necessidade teremos de recorrer às plataformas digitais para nos socializar.
Assumimos, inclusive, que o uso das plataformas da web seja algo "natural" aos dias de hoje, entretanto, usar demasiadamente e sem muito controle, na verdade, revela apenas e tão somente certas vulnerabilidades de nossa personalidade e, mais que isso, denota algumas dificuldades de nosso "jeito" de funcionar.
É por essa razão que algumas pessoas usam mais as redes sociais do que outras.
Cuidado com aquilo que você pode, sem muita consciência, estar revelando sobre você na web.
Referência bibliográfica
- https://www.theguardian.com/world/2018/jun/07/french-school-students-to-be-banned-from-using-mobile-phones
- https://www.makeuseof.com/tag/accessing-blocked-websites-work-worth-fired-opinion/
- https://www.bitdefender.com/support/how-do-i-block-or-allow-the-access-to-a-certain-website-with-parental-control-1193.html
- http://www.apa.org/news/press/releases/2018/08/digital-distraction.aspx
- https://www.sciencedaily.com/releases/2017/04/170418094255.htm
Sobre o autor
Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.
Sobre o blog
Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!