Cicatrizes de tinta: a psicologia por trás das tatuagens
Dr. Cristiano Nabuco
03/12/2014 09h00
A palavra tatuagem origina-se do inglês "tattoo" (em português: tatuagem, tatuar), sendo atribuído o pai da palavra ao capitão inglês James Cook (1728), que escreveu em seu diário a expressão "tattow" – também conhecida como "tatau"-, uma onomatopeia do som feito durante a execução dos desenhos, na qual se utilizavam ossos finos como agulhas que eram batidos com uma espécie de martelinho de madeira para introduzir a tinta sob a pele.
Dessa forma, já não é de hoje que os seres humanos se ornamentam.
Na arte pré-histórica, por exemplo, encontram-se vestígios da existência de povos que cobriam o corpo com desenhos. Em muitas pinturas rupestres, nota-se a existência dessa prática.
Uma hipótese a respeito de sua origem seriam as marcas de cicatrizes adquiridas em guerras, lutas ou caças. Como elas se tornavam motivo de orgulho e reconhecimento frente ao grupo, quem as possuísse carregava os sinais de força e de virilidade.
Acredita-se que, a partir dessa ideia, as cicatrizes foram progressivamente sendo substituídas pela representação voluntária no corpo, ou seja, o homem passou a produzir em si mesmo suas próprias cicatrizes, agora na forma de desenhos e símbolos que eram riscados sob a pele com o uso de tintas e espinhos vegetais.
Até muito pouco tempo atrás, a tatuagem estava associada à marginalidade e ao comportamento de risco, como também às classes socioeconômicas mais baixas, à prostituição e, finalmente, ao crime. Entretanto, lentamente a prática passou a ser adotada por artistas da música, do cinema e, inclusive, em pessoas comuns.
Algumas estatísticas apontam que, nos dias de hoje, um em cada cinco americanos possuem alguma tatuagem no corpo (The Harris Poll – realizada em 2012 junto a 2016 adultos).
Mas, porcentagens a parte, aqui vai a minha pergunta:
Por que nos tatuamos?
As justificativas podem ser as mais variadas, assim como os desenhos utilizados, entretanto, uma coisa é certa: as tatuagens têm a função de modificar a autoestima, ou seja, as marcas sobre o corpo oferecem a quem as utiliza um tipo de "poder" ou distinção sobre as demais.
Nesse sentido, é possível que elas se assemelhem ao papel dos amuletos junto ao imaginário humano que, quando carregados, transmitem força, coragem e determinação.
Além disso, a tatuagem igualmente pode servir para que as pessoas se sintam mais atraentes, ou seja, chamando mais a atenção em meio a um grupo.
Um estudo feito na Alemanha em 2012, junto a uma amostra de 540 sujeitos, descobriu que um em cada cinco apresentam, pelo menos, algum tipo de desenho no corpo.
Nessa pesquisa buscou-se compreender como era a personalidade das pessoas que se tatuavam, em relação às não tatuadas.
Os resultados?… As tatuadas apresentaram os maiores escores de extroversão e de necessidade de se sentirem únicas e exclusivas.
"Assim, embora as pessoas se tatuem por várias razões, é predominante a necessidade de se sentirem especiais", conclui Swami, um dos pesquisadores.
Vários estudos ainda apontaram para resultados interessantes. Veja só:
- 37098
- http://noticias.uol.com.br/enquetes/2014/12/02/voce-tem-alguma-tatuagem.js
– Um estudo realizado na Polônia em 2012, junto a cento e vinte adultos com idade variando entre 20-35 anos, mostrou que a população que apresentava alguma modificação corporal (tatuagem ou piercing) tinha, em média, uma iniciação sexual mais precoce, se comparado aos participantes que não haviam feito nenhum tipo de modificação ou desenho no corpo, além de apresentarem uma vida sexual mais ativa.
– Outro estudo realizado em 2011 na Austrália, com uma amostra de 8656 sujeitos de ambos os sexos, e com idade variando entre 16-64 anos, concluiu que 14,5% dos entrevistados já tinham sido tatuados.
Os homens foram mais propensos do que as mulheres a relatar possuírem uma tatuagem, entretanto, as maiores taxas foram encontradas entre as mulheres na faixa dos 20 anos (29,4%). Entre as idades de 20-39 foi o período mais provável de alguém ter sido tatuado. Para finalizar, a investigação apontou estar a tatuagem relacionada a maior comportamento de risco, incluindo o tabagismo, maior número de parceiros sexuais durante a vida, o consumo de cannabis (em mulheres) e o desenvolvimento da depressão (em homens).
Entre aqueles que possuem uma tatuagem, a maioria afirma não ter se arrependido de fazê-la (86%) e três em cada dez dizem que ter uma tatuagem os faz sentir mais sexys (30%), rebeldes (25%), saudáveis (9%), inteligentes (8%) e, finalmente, mais atléticos (5%) (The Harris Poll, 2012).
Já entre os que não se tatuam, as opiniões diferem.
Pelo menos dois em cada cinco dizem que as pessoas com tatuagens são menos atraentes (45%) ou sexys (39%). Um quarto diz que as pessoas com tatuagens são menos inteligentes (27%), possuem menor grau de saúde (25%) e de espiritualidade (25%). E, para finalizar, metade das pessoas sem uma tatuagem afirma sentir as pessoas com tatuagens como sendo mais rebeldes (50%)(The Harris Poll, 2012).
Conclusão
Bem, independente de se gostar ou não de uma tatuagem, o que eu percebo através de minha experiência clínica é que as pessoas que se tatuam, na verdade, o fazem nos momentos de muita angústia e de demasiado sofrimento pessoal.
Entendo assim ser inevitável que a vida nos deixe suas marcas (cicatrizes) das mais diferentes formas e maneiras e onde tatuar-se nos faça lembrar dos períodos de grandes dificuldades (e superação) – nesse sentido, nos aproximamos de funções primitivas já descritas.
Outros, entretanto, já carregam as cicatrizes na mente, como por exemplo, as pessoas que viveram situações próximas à morte (como os combatentes de guerras, sobreviventes de assaltos e cataclismas), que são visitados por pensamentos recorrentes (ou lembranças intrusivas) de vivências das situações limite, desenvolvendo o conhecido transtorno de estresse pós-traumático, apenas para citar um exemplo.
E, finalmente, há aqueles que as carregam não no corpo ou na mente, mas as exibem no coração, como aquelas pessoas que viveram uma depressão decorrente dos quadros de abandono, luto, indiferença e de aniquilação emocional.
Portanto, acredito eu que a vida sempre nos deixará algum tipo de marca.
Obviamente que essas descrições são apenas metafóricas, mas servem para nos lembrar que a vida nos tatua cotidianamente através das dificuldades e onde, finalmente, algum dia possamos exibi-las com alegria, como vestígios de nossa força e de nossa capacidade de sobrevivência.
Assim, cicatrizes de tinta ou não, todas elas estarão sempre por aí.
Sobre o autor
Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.
Sobre o blog
Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!