Topo

Tecnologia em sala de aula: computador ligado, concentração desligada

Dr. Cristiano Nabuco

10/06/2014 09h00

© michaeljung – Fotolia.com

Muito se tem discutido a respeito dos benefícios que a tecnologia pode trazer aos alunos no processo de aprendizagem. Muitas escolas acreditam que ao incorporar esse importante recurso como ferramenta de apoio pedagógico, isso lhes confere certo glamour, pois ao integrar tais avanços, rapidamente se tornam instituições de vanguarda.

Cá entre nós, devo confessar que o apelo é dos mais expressivos, principalmente em uma época em que saber manejar a tecnologia virou uma necessidade e os pais – pessoas que nasceram em uma época em que a internet ainda inexistia – acreditam que colocar os filhos em escolas que priorizam o contato com computadores, tablets e smartphones fará com que os pequenos fiquem, efetivamente, mais preparados para o futuro.

Creio, assim, que a intenção é das mais notáveis, entretanto, todo este encantamento é, em minha opinião, um pouco deslumbrado e, na grande parte das vezes, desprovido de um conhecimento mais estruturado a respeito da verdadeira consequência que a tecnologia pode trazer aos seus usuários.

Assim, tendo em mente essas questões, alguns estudos têm procurado demarcar esse território. Um dos mais expressivos foi o realizado pela Universidade Cornell em 2003, intitulado "The Laptop and the Lecture" (em uma tradução livre, algo como "O laptop e a palestra"), no qual durante uma conferência, à metade dos alunos de uma classe foi permitida o acesso irrestrito a seus computadores, enquanto à outra metade foi solicitada que mantivessem seus computadores desligados.

Independentemente do tipo ou do tempo de duração do uso do computador, o experimento tinha como objetivo quantificar o nível de aproveitamento que cada grupo apresentaria ao usar a tecnologia como ferramenta de apoio.

O resultado mostrou que os alunos que permaneceram com seus laptops fechados durante a fala do professor, na verdade, apresentaram um melhor desempenho em um teste realizado logo após o final da palestra, se comparado àqueles que usaram seus computadores durante a atividade. E, assim, o grupo que recorreu ao uso simultâneo dos laptops apresentou os piores níveis de aproveitamento.

Em outra investigação conduzida pela Nielsen, entre 1990 a 2006, intitulado "How users read on the web" (tradução: "como os usuários leem na internet"), utilizou-se de um dispositivo eletrônico chamado eyetracking  (semelhante a óculos que registram os movimentos oculares) e que tinha como meta avaliar como se daria a leitura das pessoas através da tela de um computador. Dessa forma, desejava-se observar como efetivamente se daria o processo de aprendizagem e de memorização, quando aliados à tecnologia.

O desfecho foi desconcertante. O documento que fez a análise dos resultados e que procurou então responder a pergunta inicial (de como se daria o processo de leitura na web) teve descrito em sua primeira linha (inclusive, com essa ênfase apontada no texto original) ao dizer: "Na internet, as pessoas não leem". O relatório afirmou que de toda a população avaliada, "apenas 16% leram palavra por palavra (…) enquanto o restante apenas 'escaneou' os textos, saltando, pulando partes e deixando todo o resto de lado" (pág. 145, Bauerlein).

Ao que tudo indica, portanto, alguma coisa saiu errada. Creio que a tecnologia, em muitos casos, pode, na verdade, não se tornar tão benéfica assim. Pergunto-me se a ideia inicial da web não era a de usarmos a tecnologia e o mundo digital como nossos aliados, afinal, a quantidade de informação disponível na internet, dizem alguns, seria atualmente superior a todo o conhecimento já acumulado em toda a história da humanidade.

Pois bem, "seria"… mas, infelizmente, não é o que aparenta estar ocorrendo.

Eu explico.

Vamos lembrar que da maneira com que se utiliza a internet nos dias de hoje, tal uso tornou-se um modelo básico de interrupção, isto é, nossa atenção é descontinuada a todo o momento pelos avisos derivados do whatsapp, twitter, facebook, skype etc, habituando-nos cada vez mais a esse processo de quebra contínua de concentração.

Como resultado, nosso foco torna-se progressivamente cada vez mais raso e, sem que percebamos, naturalmente passamos a usar dos mesmos recursos cognitivos para lidar com o meio ambiente, fazendo com que nossas relações tornem-se mais superficiais.

Veja que, inclusive, quanto mais uma pessoa for interrompida, maiores serão as noções de valor social que ela desfrutará e, assim, os intervalos para checar mensagens tornam-se cada vez mais frequentes (por que não dizer também reforçadores), principalmente junto aos adolescentes que se encontram em fase de construção de autoestima e portanto mais necessitam de apreço e de reconhecimento social.

Assim, o uso da web nos dias de hoje é realizado de maneira que as pessoas "precisam" ser chamadas, chegando ao ponto de quanto mais conectada com o grupo ela estiver, melhor se sentirá.

Os usuários da tecnologia, portanto, tornam-se meros decodificadores estressados de informação e esse modelo primário de funcionamento cognitivo impede que formas mais profundas de aprendizagem possam efetivamente ocorrer. Note que a mente de um internauta é agitada, enquanto a do leitor de um livro é aquietada e cadenciada através de sua velocidade pessoal de conexão (de conhecimentos mais profundos) com aqueles significados que estão sendo apresentados pelo ambiente.

Possivelmente isso então explica a razão do porquê a tecnologia, se não bem ordenada, prestará, na verdade, um imenso desserviço aos seus usuários. Principalmente em condições acadêmicas.

Para se pensar

Seria então, por essa razão, que nossa esfera intelectual estaria modificando-se? Alguns argumentam, inclusive, que, embora estejamos de posse de todo esse arsenal tecnológico, as medidas de QI no mundo estariam inalteradas, em vez de estarem aumentando (ou até declinando, segundo investigadores mais controversos)?…

Outro ponto que merece atenção: Alguns clínicos defendem a ideia polêmica de que o aumento nos diagnósticos de TDAH se daria, em parte, a esse condicionamento derivado do uso excessivo da tecnologia e, vão além, ao categoricamente afirmarem que vivemos hoje uma verdadeira epidemia da distração. Não aquela distração causada pela neurobiologia ou pela genética, mas pela perda da concentração gerada puramente na tecnologia.

Seria por isso então que nos tornamos cada vez mais impacientes?… Seria igualmente por essa razão que nossos contatos interpessoais estão perdendo sua qualidade e profundidade? Bem, isso já seria assunto para outro dia…

Entretanto, para finalizar nossa conversa, penso que seria importante que as pessoas pudessem se debruçar mais e procurar assim compreender um pouco melhor a respeito dessas possibilidades (e das limitações) do uso da tecnologia, em vez de simplesmente tornarem-se defensoras e entusiastas inocentes da causa.

Nem de longe estou falando mal de todas as possibilidades infinitas, diga-se de passagem, que ela nos trouxe, traz e ainda nos trará, mas minha inquietude, na verdade, diz respeito à forma pela qual essa tecnologia vem sendo estimulada junto aos nossos pequenos.

Você sabia que grande parte das instituições de ensino do Vale do Silício nos EUA, local onde se encontram as principais empresas de tecnologia no mundo e onde, obviamente, estudam os filhos desses executivos, muitas das escolas mais disputadas sequer permite que ocorra a entrada de qualquer artefato tecnológico junto aos seus alunos? Apenas a velha receita: lápis e papel.

Isso deve ter, claramente, algum propósito maior, não acha?…  Seria bom pensarmos no assunto.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Tecnologia em sala de aula: computador ligado, concentração desligada - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!