Medo de ficar só faz com que busquemos qualquer relação, aponta pesquisa
Dr. Cristiano Nabuco
18/12/2013 09h00
O medo de ficar só é um forte estímulo, tanto para mulheres como para homens, para que desenvolvam relacionamentos pouco estimulantes.
O resultado é de uma pesquisa feita pela Universidade de Toronto, com uma ampla amostra de mulheres e de homens (americanos e canadenses de várias origens étnicas e de variadas idades), publicada no Journal of Personality and Social Psychology.
Os pesquisadores afirmam que, se uma pessoa está muito tempo solteira, tenderá ela naturalmente a ficar menos crítica em relação aos seus relacionamentos, engajando-se em qualquer tipo de relação amorosa. O curioso é que mesmo estando não satisfeitas e, inclusive, "sabendo" que os seus pares românticos não são aquilo que esperavam, elas ainda assim permanecem em seus relacionamentos.
De certa forma, creio eu, o nível de ansiedade causado pela "solteirice" é tão impactante que as pessoas preferem ficar em relacionamentos de baixa qualidade do que correrem o risco de acabarem ficando sozinhas.
Mas qual seria a razão para que estas pessoas aceitem qualquer coisa, você saberia dizer?…
Eu esclareço.
Diferença entre apego e afeto
Temos operando em nosso cérebro um sistema automático e muito primitivo que, desde nossos antepassados, nos faz buscar a proteção do outro. Esse "impulso mental" pode ser visto operando também nos animais e explica o fato de andarem em bando, pois junto com o grupo, a alimentação, o acasalamento e a proteção se dão de forma mais efetiva, garantindo uma maior sobrevivência.
Assim sendo, igualmente nos humanos, quando crescemos, também buscamos instintivamente apoio e proteção de nossos pais para que depois, com a passagem do tempo, possamos perseguir na vida adulta uma nova figura de apego que nos proteja. No caso, os parceiros românticos.
Desta maneira, biologicamente falando, o mecanismo de apego sempre se manifesta antes do afeto, pois primeiro precisamos nos sentir protegidos para depois podermos estar seguros para gostar de alguém. Isso equivaleria dizer: a existência de uma "lei de sobrevivência" cerebral, ou seja, a busca de apoio vem sempre antes.
Vejamos, quando o sentimento de proteção se faz manifesto, portanto, ficamos livres para estarmos ligados (afeiçoados) a alguém. Perceba, assim, que, sentir-se protegido, não é a mesma coisa do que sentir-se querido, pois são circuitos mentais distintos que são acionados.
Entretanto, as coisas nem sempre saem como esperado.
Nosso cérebro sempre nos impulsiona a desenvolver relações de apego e busca de segurança, mesmo naqueles casos onde o apego recebido não é dos mais expressivos.
Assim, muitas vezes, gostamos de uma pessoa, mas não nos sentimos tão protegidos por ela. Isso explicaria, em parte, por que muitos indivíduos desenvolvem relações paralelas (casos extraconjugais) com outras figuras. Em uma pessoa se manifesta o apego e em outra o afeto.
As relações mais duradouras ou, se você preferir, as mais longevas, são, na verdade, aquelas nas quais a figura de afeto é ocupada pela mesma figura da de apego. Isto é, equivale dizer que conseguimos gostar de alguém que também nos traz a sensação de proteção.
Desta forma, as relações românticas mais satisfatórias são aquelas que nos fornecem ambas as coisas (sensação de afeto junto com a de apego) e que são popularmente denominadas de "relações de cumplicidade". Moral de história: nestes casos, gostamos de alguém que também nos protege.
Ficou mais claro agora?… Não é difícil.
Conclusão
Portanto, a pesquisa canadense apenas demonstra que na ausência de uma boa figura de afeto, acabemos nos contentando com uma que, pelo menos, nos forneça sensação de proteção, ainda que fiquemos infelizes.
Isso explica também a razão pela qual sempre temos algum conhecido que passa uma vida inteira com alguém que não lhe traz a felicidade, ou seja, ainda que não exista afeto evidente, possivelmente existe a percepção desta pessoa de um sentimento de proteção.
Quem já não ouviu falar de algum cônjuge que a confiança no parceiro "acabou"? Mas ainda assim, lá permanece o casal, junto, por anos a fio.
Enfim, esses são alguns dos dilemas que nossa herança antepassada nos dá para resolver, isto é, o medo de ficar só faz com que nos contentemos com qualquer relação.
Sobre o autor
Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.
Sobre o blog
Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!