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Estamos ficando realmente mais inteligentes?

Dr. Cristiano Nabuco

16/10/2013 07h00

© Vladgrin-Fotolia.com

A média do quoeficiente intelectual nos países ocidentais aumentou, pelo menos é o que dizem alguns pesquisadores americanos. Esta medida avançou nos testes padronizados em pelo menos 14 países que fizeram essa aferição.

James Flynn, autor americano que pesquisou o tema, relata que foram achadas diferenças em como se lida, principalmente, com as questões relacionadas à inteligência cotidiana.

Eu explico.

A partir dos dados de testes feitos desde 1949, chegou-se à conclusão de que, se antes fatos concretos e testes de lógica eram o que determinavam a inteligência de cada pessoa, agora são as abstrações e as hipóteses que mais pesam. Ou seja, as pessoas atualmente apresentam uma melhor resposta à abstração dos problemas propostos nos testes de QI do que se observava antes, afirma o autor.

Assim sendo, se antes as pessoas tinham que lidar com escolhas muito concretas como, por exemplo, escolher um animal para uma determinada função no trabalho rural, fazer trabalhos braçais ou tentar entender como ligar e desligar uma máquina simples, hoje, de forma oposta, temos problemas mais complexos no dia-a-dia a serem resolvidos.

Entende-se assim que talvez a vida de antigamente fosse mais simples do que é a de hoje e isso teria, portanto, gerado alguns resultados.

Outros pontos que pesariam também nesta mudança, por exemplo, seriam o aumento do nível de escolaridade das pessoas e a diminuição da família. Os pais, hoje em dia, em tese, conseguem dar mais atenção aos filhos e estar mais próximos, ensinando e  acompanhando-os mais, se comparado ao que acontecia antes nas casas com um número mais elevado de filhos. Hoje, apontam as pesquisas, há menos crianças em casa e isso poderia ser determinante.

Embora o tempo gasto no trabalho ainda seja um obstáculo muito presente, as crianças seriam hoje então mais estimuladas.

Eu creio também que hoje em dia valorizamos muito mais a capacidade de nos relacionarmos com o grupo, isto é, desenvolver habilidades interpessoais baseadas nas emoções, e não apenas no intelecto puro – também chamado de inteligência emocional, ao contrário do que se valorizava antes.

Enfim, seguindo essa linha de raciocínio, tudo indica que nossos jovens estariam então mais capacitados nos dias de hoje.

Não vou nem abordar os benefícios trazidos pela internet, o que faria nossos jovens mais ágeis, mentalmente falando.

Nem tudo são flores

De acordo com outra linha de pesquisa, se antes nosso ambiente era mais simples, entretanto, ele nos fazia pensar mais para realizar escolhas realmente importantes, pois estas tinham impacto determinante em nosso mundo real. Assim, hoje nossos jovens viveriam em um mundo mais artificializado, o que nos faria usar menos nossa capacidade intelectual.

Para esses pesquisadores, não existir tanta "pressão" sobre nossas decisões, faria com que nossa inteligência se acomodasse. Embora vivamos em famílias menores, nossos filhos são, desde muito cedo, super-estimulados a se matricular em uma série de cursos. Assim sendo, não se vive mais a infância como se vivia antes.

Além disso, se formos considerar que a vida virtual nos encoraja a um modelo mais horizontal de comunicação, exposição e trocas, é possível então que a geração atual esteja experienciando uma profunda imersão junto a pessoas de interesses e afinidades semelhantes. A internet propicia um ambiente altamente personalizado (customizado) e que reflete cada vez mais os valores pessoais ou grupais de cada internauta.

Neste sentido, é bem fácil perceber que as informações que fogem deste modelo customizado, são naturalmente filtradas ou bloqueadas. Dificilmente o indivíduo será perturbado por coisas que não lhe agradam, pois entram em sites que lhe chamam a atenção, assina RSS feeds de temas que lhe importam, participa de grupos que discutem coisas de seu interesse, ou seja, participa do que lhe estimula e se esquiva daquilo que não lhe satisfaz.

Portanto, correm então o risco de se tornarem uma geração fechada em seu mundo próprio de valores, com pouca consciência e visão de mundo, pois vivem uma realidade altamente personalizada.

A dependência de tecnologia pode estar afetando nossa inteligência?

Há ainda autores que fazem análises mais profundas e apontam que o uso das tecnologias que nos fazem mais "espertos" e ágeis por um lado, contribuem para uma pior inteligência final. Nossa memória, apontam algumas pesquisas, está ficando à mercê de aparelhos eletrônicos e vai de mal a pior.

Não sabemos mais os números do celular de nossa família ou de nossos amigos. Os aparelhos de GPS automatizam nosso andar, e mesmo com cada vez mais acesso a textos na internet, as pessoas estariam perdendo a habilidade de se relacionar umas com as outras.

E você, afinal de contas, o que acha? Estamos ficando realmente mais ou menos inteligentes?

Em uma visão otimista, eu creio que nunca houve tanto acesso a informação, como se tem hoje. Assim, a geração atual tem à sua disposição o que nenhuma outra geração teve. Se bem aproveitado, nossos jovens poderão capitanear uma das maiores mudanças sociais de séculos. Don Tapscott, autor da obra Grown up digital, afirma que, pela primeira vez na história, os jovens são as autoridades de algo realmente importante, pois podem modificar praticamente todos os aspectos de nossa sociedade, ou seja, desde a sala de aula aos corredores do Congresso.

Entretanto, uma visão mais pessimista sugere que esta geração ameaça as gerações futuras, pois a informação não está necessariamente se transformando em conhecimento. Mark Bauerlein, autor da obra The Dumbest Generation, afirma que esta geração vive um dos maiores estágios de alienação, de horizontes limitados e com um nível de incompetência jamais visto anteriormente. E conclui afirmando: "os jovens do séc. XXI não serão a 'próxima grande geração' ".

Estou longe de esgotar o assunto, mas estamos realmente ficando mais inteligentes? Enfim, quem arrisca um palpite?…

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Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!