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O que é essa tal felicidade?

Dr. Cristiano Nabuco

07/06/2013 07h00

Stuart Westmorland/Corbis

Não é de hoje que a felicidade é perseguida por todos nós, sem exceção. Você, leitor, por acaso também quer ser feliz?… Saiba que, durante muito tempo, acreditou-se que a felicidade dependia dos desígnios dos deuses. Essa concepção religiosa da felicidade foi presente durante muitos séculos e em várias culturas. Entretanto, no século IV a.C., Sócrates inaugurou uma concepção a partir da qual buscar a felicidade é uma tarefa de responsabilidade do próprio indivíduo.

A Revolução Francesa, por exemplo, também estabeleceu que o objetivo da sociedade devesse ser a obtenção da felicidade de seus cidadãos. E, nos tempos atuais, a felicidade é considerada um valor tão precioso que a Declaração de Independência dos EUA registra que "todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade".

Para sanar qualquer dúvida, fui consultar o dicionário Aurélio e encontrei o seguinte: "s.f. Estado de perfeita satisfação íntima; ventura. / Beatitude; contentamento, grande alegria, euforia, grande satisfação. / Circunstância favorável, bom êxito, boa sorte, fortuna".

Veja que as definições de felicidade são múltiplas, e embora tenhamos esse direito, não parece tarefa tão simples encontrá-la.

Querido leitor, qual seu palpite?… Você acredita, por exemplo, que ter dinheiro lhe faria mais feliz? Casar-se e ter filhos também? Ter um bom emprego?… Vamos observar algumas questões então.

Felicidade e dinheiro

Comecemos pela resposta mais óbvia. É possível que você tenha pensado que ganhar mais dinheiro poderia lhe fazer mais feliz. Você, assim como muitas pessoas, acredita que quanto mais dinheiro tiver, mais feliz poderá ser. Economistas descobriram que quanto mais se ganha, melhor é a satisfação das pessoas com a vida.

Entretanto, o que você ainda não sabe é que o nível de felicidade não aumenta na proporção do ganho econômico, ou seja, embora possamos ficar mais felizes por  ganhar mais, esse aumento de satisfação vai até certo ponto e se estabiliza, ou seja, de lá não passa (é o que afirmam muitas pesquisas).

Portanto, ainda que você possa acumular mais e mais, sua felicidade não irá aumentar na mesma proporção. Há um velho ditado que capta intuitivamente esta questão ao dizer: "more money, more problems" (mais dinheiro, mais problemas). Moral da estória: talvez a saída não esteja por aqui.

Felicidade e relacionamento

Bem, aqui encontraremos dados controversos. Em primeiro lugar, não é o casamento que faz as pessoas felizes, mas um casamento feliz é que pode contribuir com o estado de felicidade maior.

As pessoas casadas podem ter níveis de felicidade maiores do que as solteiras (ou separadas), mas a qualidade da relação desenvolvida com o cônjuge ainda é que é o principal indicador da felicidade humana, aponta uma pesquisa.

Quanto aos filhos? Bem, aqui vão dados mais polêmicos. A felicidade entre homens e mulheres diminui após o nascimento do primeiro filho, devido ao nível de preocupação e do estresse gerado. Em geral, pesquisadores indicam que casais sem filhos são mais felizes do que casais com filhos. E casais com filhos pequenos são também aqueles com menor índice de felicidade, se comparados aos anteriores, pois possuem preocupações ainda maiores.

E, apesar de fatos científicos apontarem que filhos não trazem felicidade (coisa de pesquisador), talvez o valor afetivo desenvolvido nestas relações (se forem positivas, obviamente) compense as preocupações geradas ao longo da vida junto aos pequenos. Quem sabe…

Bem, se a saída então para ser feliz não está fundamentalmente no dinheiro, nos relacionamentos, na criação dos filhos, é possível então que essa busca seja, na verdade, algo interno e individual, dependendo apenas e exclusivamente de nós.

O que você acha?… Difícil? Vou lhe dar uma pista.

Mito da chegada

Vamos lembrar que a busca de felicidade já se faz presente desde nossa infância. É bem fácil encontrar nos mais variados livros de histórias infantis onde, invariavelmente, nos deparamos com o "final feliz". É a princesa que recebe o beijo do príncipe e desperta para viver o amor eterno, o pote de ouro que é encontrado ao final do arco-íris, a intervenção divina fazendo-se presente e salvando o reino em guerra, enfim todos acabam felizes para sempre. 

Tais parábolas são importantíssimas, pois têm como função mostrar às crianças desde cedo que o bem triunfa sobre o mal, que existe bondade, justiça, além de ser uma ótima maneira de incutir ideias e valores a respeito da importância de se viver uma vida regida pela boa moral e pela ética. E, até aqui, tudo bem.

Entretanto, deixamos de ser crianças, crescemos e, por força do hábito, continuamos a acreditar que existe o final feliz das coisas. Assim, aguardamos ansiosos a tão esperada promoção, a viagem dos sonhos, a ocorrência do relacionamento perfeito, a casa nova etc. e, sem perceber, passamos por toda uma vida esperando o dia em que nossos esforços serão recompensados, mas por alguma razão isso nem sempre acontece.

O ponto importante a ser observado aqui é bem simples, eu explico.

Ser feliz e sentir-se bem

Sem perceber, acabamos por confundir ser feliz com sentir-se bem. Veja que dentro dos termos descritos acima, ser feliz sempre envolverá algum acontecimento ou fato externo que irá nos ajudar na realização dos momentos felizes. Portanto, vivemos com o mito da chegada (ou a busca do final feliz) em nossa cabeça, ou seja, com um pouco de sorte, é possível que um dia realizemos alguns de nossos maiores sonhos e possamos, finalmente, ser felizes.

Entretanto, como são fatos externos, não temos o menor controle sobre sua ocorrência e esperamos. Às vezes, talvez por uma vida inteira e, enquanto isso não acontece, sentimo-nos profundamente incompletos.

Bem, qual é a saída então? Devemos entender que, para que possamos nos sentir bem, basta que comecemos a cuidar de nós mesmos e nos empenhemos na realização daquilo que pontualmente nos faz bem, pois sobre isso sim, temos controle. Eu imagino que você esteja pensando que estou simplificando as coisas, mas não é esse meu objetivo.

Ao realizarmos algo que nos faz bem, isso nos sustenta emocionalmente para seguir em frente, pois desenvolve força e virtude, ajudando-nos a desenvolver dignidade pessoal. Desta forma, aumentamos nosso senso de coerência de sentimentos e de nossos afetos positivos.

O que fazer então?

Veja que pontualmente não existe uma receita. Seria ingenuidade de minha parte lhe dizer o que fazer, entretanto, a busca de três necessidades humanas são apontadas pelos pesquisadores como componentes nesta jornada:

– Melhore seu senso de pertencimento, isto é, um estudo publicado no periódico Journal of Happiness Studies, aponta que um círculo de amizades ativo está ligado a maiores níveis de bem estar, habilidades de lidar com o estresse e maior facilidade de engajamento social;

-Desenvolva seu senso de competência, ou seja, procurar aprimorar as habilidades de fazer algo bem feito;

– E, finalmente, fortaleça seu senso de autonomia, que é a capacidade de sentir-se suficientemente bem com você mesmo.

Imagino que você já tenha percebido que não emiti minha opinião. Mas eu, pessoalmente, entendo que busca da felicidade ultrapassa tudo o que foi descrito acima e contém outro elemento denominado busca de sentido.

Não que os pontos explicados acima não os contenham, mas creio que apenas um propósito maior poderá nos encantar e sustentar efetivamente nossa felicidade. Neste ponto, eu compartilho a opinião com a de Érico Veríssimo que diz: "Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente".

E você, por acaso já achou o sentido pessoal de sua vida? Ainda não?… Seria bom pensar no assunto, pois há uma obrigação moral nisso.

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Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!