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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Celulares em sala de aula: vale restringir ou não?

Dr. Cristiano Nabuco

28/01/2020 04h00

Crédito: iStock

Aqui está um tema que vem provocando a divisão de opiniões entre pais, alunos e familiares, ou seja, até que ponto a presença de um telefone em sala de aula pode ser positiva? Há menos de uma década, esse assunto sequer passava do lado de fora dos estabelecimentos de ensino, entretanto, à medida que o avanço da tecnologia veio ocorrendo, de maneira exponencial, seguramente, essa é apenas a ponta do iceberg de um assunto que ainda vai trazer muita discussão.

Mas uma coisa é certa: a presença das telas veio para ficar, e saber utilizá-las tornou-se uma questão vital, não apenas quando falamos das novas modalidades de ensino, mas, igualmente, quando o assunto também diz respeito à nossa saúde mental.

Por um lado, o acesso às plataformas digitais nos permitiu a conexão aos sites de busca que nos ajuda a obter qualquer informação, em questão de segundos, além de algumas dezenas de outras possibilidades sobejamente conhecidas, por exemplo, o acesso aos aplicativos de músicas, comida, mobilidade urbana e, é claro, as redes sociais.

Assim sendo, temos na palma das mãos mais informações do que qualquer pessoa no planeta tinha há menos de duas décadas. E isso, claramente, é tentador, pois a cada desbloqueio de tela, uma porta infinita de conexões se abre, sem custo, 24 horas por dia e podendo ser acessada de qualquer lugar.

E a pergunta central, que eu proponho aqui, seria essa: estariam os alunos preparados para lidar com esse imenso afluxo de informações dentro da sala de aula? Por mais que nos esforcemos, é fato, uma resposta simples ainda não existe.

Antes de falar da tecnologia em si, vale lembrar que o cérebro das crianças e dos jovens vai passando por um processo de maturação, que será finalizado apenas por volta dos 25 anos de idade, ou seja, até que esse momento tenha chegado, o córtex pré-frontal local onde se dá o controle dos impulsos ainda funcionará de maneira parcial e limitada.

Vale dizer que essa função de "freio comportamental" nos faz ter forças para que possamos conter atitudes que não nos seriam positivas ou benéficas, ou seja, dito em outras palavras, até que possamos atingir a maturidade, mesmo que saibamos que alguma coisa não nos será muito adequada, não conseguimos exercer o controle de um determinado comportamento –o que nos deixa, obviamente, mais vulneráveis.

Assim, mesmo que possamos orientar nossas crianças e nossos jovens a desenvolver uma atitude saudável e construtiva em relação às telas digitais, dificilmente eles estarão preparados, em função da limitação biológica do cérebro (ainda em desenvolvimento).

A coisa é tão séria que o Parlamento francês aprovou, em 2018, a proibição de telefones celulares em escolas públicas. A lei foi uma promessa de campanha de Emmanuel Macron e chegou a ser chamada pelo governo de "medida de desintoxicação" contra a distração nas salas de aula. A medida proíbe o uso de qualquer objeto conectado, como celulares, tablets e relógios, nas escolas, junto às crianças com idade variando de 6 a 15 anos. (1)

Desde a promulgação de uma lei, em 2010, o Código de Educação Francês já vetava os celulares durante toda atividade pedagógica e nos locais definidos pelas escolas.

Exagero francês?

Nos Estados Unidos, no Vale do Silício, as escolas mais concorridas, onde estudam os filhos dos CEOs das grandes empresas de tecnologia como eBay, Google, Apple, Yahoo, Hewlett-Packard etc, são aquelas chamadas de tech-less schools (escolas sem tecnologia). Segundo esses estabelecimentos, as principais ferramentas de ensino são tudo, menos a tecnologia de ponta, ou seja, os materiais que mais se encontram são as canetas, papel, agulhas de tricô e, ocasionalmente, barro. Nesses locais, jamais encontraremos sequer um computador e, não para por aí: não apenas em sala de aula eles foram banidos, mas a escola, inclusive, desaprova seu uso em casa.

Essa proibição se baseia na visão de especialistas em educação, onde o argumento de que o esforço para equipar as salas de aula com computadores seria injustificado, uma vez que os estudos ainda não mostraram claramente se isso, efetivamente, leva a melhores pontuações nos testes ou outros ganhos mensuráveis. (2)

Algumas outras propostas, por exemplo, defendem exatamente o contrário, ou seja, de que o uso da tecnologia deveria, sim, ocorrer nas escolas por ser ele vital no desenvolvimento do processo educacional. Atualmente, são contabilizados mais de 500 mil apps de educação e o contato com esse material, afirmam, seria imprescindível para tornar os alunos mais qualificados para o futuro que os aguarda. Além do mais, por serem gratuitos, ajudariam a aumentar a motivação e o engajamento com o conteúdo pedagógico, e desta forma, muitos professores e especialistas defendem sua utilidade durante a aula. Além do mais, há outro importante argumento, o de que os professores poderiam aprender também com os especialistas, o que tornaria o processo de educação mais consolidado. (3-4)

Vamos pensar?

A situação atual é, portanto, bem simples: algumas escolas permitem a inclusão tecnológica, por não saber de uma maneira muito clara como ainda se posicionar. Outras incluem o manejo digital, por entender que seja benéfico e, em muitos casos, chegam a informatizar totalmente o processo educacional. E, finalmente, há aquelas que baniram sumariamente as telas, por entender que é muito prejudicial esse convívio, não apenas pelo fato de que a simples presença das telas digitais levaria a um processo constante de distração, mas também em função de se observar um efeito colateral.

Eu explico.

A mesma porta que se abre para entrada dos conteúdos educativos, também permite o acesso ao cyberbullying –muitas vezes, podendo afetar a reputação de um jovem por toda uma vida , ao sexting, que é troca de material fotográfico íntimo e erótico entre parceiros afetivos (já atendi uma adolescente que tentou suicídio pelo fato de ter tido uma foto íntima "vazada" para as redes sociais); a disseminação de fake news (crime, sujeito à pena de reclusão de dois a oito anos); a prática do grooming (aliciamento digital de adolescentes, feito por adultos que se passam por colegas), dentre alguns outros comportamentos frequentes, com os quais os nossos jovens não estão nem um pouco preparados para lidar.

Sem qualquer constrangimento, eu afirmo que de nada adianta tornar um aluno mais capacitado, tecnicamente falando, se emocionalmente ele se torna mais vulnerável, exposto e desprotegido aos perigos da internet. Infelizmente, a preocupação com a saúde mental ou com a segurança dos alunos ainda é coisa rara, principalmente, quando as telas digitais estão presentes.

Eu ainda acho que a tecnologia em sala de aula poderia esperar um pouco mais.

Para saber mais

Referências bibliográficas
(1)https://www.dw.com/en/france-bans-smartphones-in-schools/a-44890246
(2)https://www.nytimes.com/2011/10/23/technology/at-waldorf-school-in-silicon-valley-technology-can-wait.html?_r=5&adxnnl=1&pagewanted=all&adxnnlx=1366983938-HdWeAy6eH4vcK5Y6hBQR2Q&
(3)https://educacao.uol.com.br/noticias/2015/02/24/sete-motivos-para-ligar-o-celular-na-sala-de-aula.htm
(4)https://www.statista.com/statistics/276623/number-of-apps-available-in-leading-app-stores/
(5) https://www.grupoa.com.br/vivendo-esse-mundo-digital-p989873?tsid=34

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!