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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Por que temos brigado tanto nestas eleições? A psicologia da discórdia

Dr. Cristiano Nabuco

16/10/2018 04h00

Crédito: iStock

Os últimos tempos não têm sido muito fáceis e, assim como eu, você também já deve ter percebido isso muito bem. Como se já não bastassem as inquietudes pessoais e os dilemas da vida cotidiana, usualmente, sempre tão intensos, agora se somam as questões políticas, que contribuem de maneira marcante para que o presente fique ainda mais conturbado.

São opiniões incessantes sobre as eleições, enviadas através dos aplicativos de mensagens, redes sociais que transbordam afirmações de rancor e de indignação, matérias na mídia que expõem essa "ferida social" aberta e, quer você deseje ou não participar dessa correnteza turbulenta, não há muita escolha, ou seja, você será arrastado.

Do ponto de vista da saúde mental, ninguém ainda se deu conta de que esse bombardeamento de informações negativas cria, inevitavelmente, efeitos bastante deletérios para nossa mente. Não é de hoje que se sabe que, quanto mais notícias ruins são veiculadas, maiores serão as chances de o nosso cérebro reagir de forma protetora e, assim, hormônios do estresse são liberados e aceleram nossos batimentos cardíacos, aumentam a pressão sanguínea, mudam os padrões de alimentação, de sono e, finalmente, alteram de maneira expressiva o nosso humor.

Caso você não saiba, as duas últimas linhas acima são a receita certa para que alguém possa desenvolver depressão e ansiedade, não há dúvida, além, é claro, de vários outros problemas de saúde psicológica, decorrentes desse clima insalubre.

Assim sendo, muito embora tenhamos uma legião de especialistas políticos tentando descrever as razões pelas quais vivemos tanta tensão, ninguém ainda se deu conta de que existem importantes mecanismos psicológicos por trás de tanta preocupação coletiva. Eu explico.

A construção de nossas opiniões

Sobejamente se sabe que o cérebro, em suas trocas com o meio ambiente, desenvolve o que chamamos de crenças pessoais. Tais "pacotes de informação" são desenvolvidos a partir de nossa história de vida e, em última instância, representam as interpretações que uma pessoa desenvolve a cada momento de sua vida, sobre os fatos que a cercam.

Tais crenças, com o passar do tempo, se tornam poderosos filtros que nos ajudam a lidar com o nosso entorno e, dessa forma, nossas opiniões a respeito das mais diversas questões da vida são, aos poucos, edificadas e, assim, criamos uma verdadeira rede de explicações mentais a respeito de praticamente tudo.

Desenvolvemos, assim, perspectivas daquilo que consideramos ser certo ou errado, bom ou mal, moral ou imoral e tudo, a partir de um ponto de vista idiossincrático, ou seja, único e com um valor altamente particular.

Dessa forma é que esse tapete de opiniões cria uma lógica maior, tornando-se um importante veículo de desenvolvimento de nosso conhecimento e, é claro, onde nossa razão trafega.

A filosofia de Kant, em seu clássico livro, "Crítica da Razão Pura", já mencionou a ideia de que nosso conhecimento racional sempre apresentará certos "limites", pois a "apreensão plena da realidade" sempre estará subordinada a percepção pessoal (ou dos sentidos, como ele diz), a respeito das coisas.

Assim, podemos dizer, de uma maneira bem ampla, que "a verdade" — ou as opiniões finais que temos a respeito das coisas — apenas poderão ser criadas a partir do contato de nossa experiência pessoal, criando uma opinião exclusiva daquilo que entendemos.

E qual seria, assim, a relação dessas questões com o momento de maior tensão social? Simples, bastante simples.

Ocorre que, cada vez que lidamos com algum fato externo, principalmente nos dilemas da política atual, a preferência a um determinado candidato, seja ele A ou B, na verdade, é decorrente desse sistema de atribuição de valores em funcionamento.

E como resultado, cada um terá uma opinião final que será sempre diferente dos demais.

E, o pior, ingenuamente tentamos "provar" que a "nossa verdade" e as nossas opiniões são "mais legítimas" do que aquelas que os outros nos apresentam. E, assim, ficamos profundamente incomodados, irritados, para não dizer, indignados, quando alguém não partilha do mesmo ponto de vista.

Sinto então lhe dizer que ninguém –absolutamente ninguém — conseguirá ter uma mesma visão que a sua de qualquer coisa que seja. E a razão é bastante clara: isso ocorre pelo fato de que "nossas construções" (ou interpretações mentais) dos acontecimentos apenas captam um recorte momentâneo do fenômeno (ou da política, se você preferir) do que acreditamos ser correto.

Um antigo paciente meu, filósofo, sempre dizia: "um ponto de vista, nada mais é do que a vista de um determinado ponto".

A própria ciência do cérebro já demonstrou, há tempos, que tudo que existe de opiniões pessoais, que carregamos em nosso pensamento, na verdade, é o resultado de um processo interpretativo da realidade, do qual se retira apenas 20% dos estímulos do meio ambiente e os 80% restantes são preenchidos única e exclusivamente por nossa mente (leia-se: a construção é mais interna do que externa).

Resumo da ópera: não adianta brigar com alguém que tem uma visão diferente da sua, pois cada um carrega suas premissas do que é a verdade.

Há uma metáfora clássica a respeito da formação do conhecimento que propõe a seguinte situação: se tivéssemos vários indivíduos cegos apalpando um elefante, cada um tocando uma parte distinta do animal, qual das opiniões seria a mais descritiva, ou a mais correta, acerca do que é "um elefante"?

 

Crédito: WikiMédia Commons / Autor desconhecido

Obviamente que nenhuma delas será mais verdadeira do que a outra, ou seja, cada cego –retornando à metáfora — apenas descreverá o "elefante", a partir de sua experiência pessoal.

Para se pensar então

Nos tempos atuais, portanto, não tenha a ingenuidade de tentar confrontar alguém e sugerir que a visão do outro estará "equivocada", pois, a rigor, cada uma estará, no máximo, oferecendo uma possibilidade descritiva dentre as várias outras existentes a respeito do mesmo assunto.

Falamos tanto em democracia, mas estamos, continuadamente, incapacitados para aceitar uma opinião que não esteja claramente alinhada com a nossa. Se tanto ódio é propagado por aí, saiba então que nenhum candidato tem o poder, individualmente, de criar tanta marola social negativa –a não ser que você também propague a visão dele como a "mais verdadeira" e, portanto, a mais adequada.

Assim sendo, eu e você, com certeza absoluta, temos uma parcela expressiva na atual condição de desentendimento atribuído, erroneamente, aos políticos.

Um biólogo chileno, chamado Humberto Maturana, certa vez afirmou: "Não existe um universo, mas sim, um multiverso", ou seja, tantas possibilidades quantas forem possíveis ser imaginadas.

Assim sendo, se temos 7,7 bilhões de pessoas no planeta, teremos, então, 7,7 bilhões de visões distintas a respeito do mundo que nos cerca.

Talvez, no fundo, no fundo, o problema não esteja tanto na política e nem nos candidatos, mas, sim, em nós mesmos, que temos tanta dificuldade em captar, verdadeiramente, o conceito de diversidade existencial.

Conclusão

Vamos tentar nos acalmar e compreender que a História, a exemplo da política, é composta por ciclos e todos eles serão, de alguma maneira, importantes para o amadurecimento coletivo.

Observemos, portanto, além da discórdia, se assim formos capazes, pelo menos, por um momento que seja, pois, ao fazermos isso, poderemos compreender melhor porque, de fato, estamos brigando tanto.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!