Estresse na gravidez? Pode o trauma ser herdado pelos filhos?
Já se tornou um clássico, em praticamente todas as narrativas de saúde mental, associar experiências de privação e de abuso vividos nos primeiros anos de vida à (quase) inevitável ocorrência de dificuldades na vida adulta.
Assim, autores e investigações científicas são abundantes a esse respeito e, se eu fosse listá-los, ainda que de maneira genérica, levaria alguns meses para explicá-los por completo.
Claro, desde cedo a costumeira má relação com algum membro da família, que se arrasta por toda uma existência, é, possivelmente, apontada como a base das mazelas e das inquietudes pessoais da maturidade. Prato cheio para terapeutas e analistas de todos os gostos e espécies, não acha?…
Pois bem, para além das teorias mais atuais, entretanto, há certas pesquisas que têm analisado alguns elementos que fogem dessa "paisagem psicológica" mais tradicional e que mereceriam sua atenção, ou seja, existiriam fatores que podem impactar na saúde mental antes mesmo do nascimento do bebê?
Sei, se você é daqueles mais céticos, que não acredita em nada disso, pois são apenas "teorias", este artigo então é dirigido a você.
Descobriu-se que o período pré-natal do desenvolvimento humano é, na verdade, um momento em que o meio ambiente exerce uma influência significativa na modelação da fisiologia do feto.
Calma, eu explico. Vamos de novo.
A fase inicial de vida dentro da barriga da mãe é compreendida pelos cientistas com uma importante janela de "interferência" na vida do embrião, isto é, esse período é considerado um momento em que o ambiente intrauterino afeta, de maneira clara e pontual, o desenvolvimento da fisiologia da criança.
Vamos a um exemplo para facilitar as coisas: problemas de nutrição da mãe, por exemplo, podem estar relacionados a um número expressivo de fatores de risco, como doenças cardiovasculares na vida adulta do bebê.
Constatou-se, igualmente, que certas situações estressantes vividas pela mãe durante a gravidez impactam de maneira direta no recém-nascido, como: (a) Estresse físico vivido pela má nutrição e a exposição do feto a toxinas (álcool e nicotina); (b) Estresses psicossociais decorrentes de problemas de saúde mental da mãe, provenientes de violência doméstica ou, ainda, a fome e a pobreza extremas e, finalmente, (c) Sofrer traumas agudos de caráter incontrolável como desastres naturais, terrorismo ou genocídio, que resultam em estresse pós-traumático da mãe.
Dessa maneira, é como se o período de gestação pudesse criar certas formas de programação biológica, oferecendo mais vulnerabilidade genética à criança.
Veja que interessante, sabe-se que a resposta ao estresse é desencadeada pelo eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, ou seja, quando, no caso, a mãe vive períodos de gestação marcados pela tensão e pelo estresse contínuos, pode, de maneira permanente, mudar a fisiologia da criança, predispondo-a, além do desenvolvimento de distúrbios cardiovasculares, como já dito anteriormente, mas adicionalmente a problemas metabólicos e, principalmente, transtornos de saúde mental na vida adulta.
E isso vale sua atenção.
Essa descoberta veio à tona quando há alguns anos uma pesquisa apontou que os sobreviventes do holocausto tinham maiores chances de ter filhos vulneráveis a transtorno de estresse pós-traumático e doenças psiquiátricas, se comparados àqueles que não passaram pelas mesmas experiências.
Assim sendo, certas experiências precoces, decorrentes do estresse materno, podem alterar como os genes são expressados e esses padrões de expressão podem ser passados aos filhos, tornando a criança mais vulnerável a determinadas experiências de vida.
Importante, não acha?
Será a transmissão transgeracional do trauma uma nova etapa nos estudos de saúde mental? Nossos pesadelos poderiam, portanto, ser herdados?…
Para se pensar.
Referências
https://www.ncbi.nlm..gov/pubmed/24029109
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26327302
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