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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Rejeição: o que você deveria saber

Dr. Cristiano Nabuco

18/03/2015 08h00

© ikonoklast_hh - fotolia

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Não é de hoje que sabemos muito bem que a rejeição pode nos causar um expressivo desconforto emocional, ou seja, viver situações de abandono literalmente nos provoca um profundo incômodo psicológico.

Mas, antes mesmo de causar algumas consequências negativas ao nosso bem-estar, algumas pesquisas apontam que os efeitos da rejeição podem provocar resultados expressivos em várias esferas de nossa existência.

Quer saber melhor?… Eu explico.

I) A rejeição "trafega" nas mesmas vias cerebrais em que a dor física o faz.

Estudos de ressonância magnética demonstraram que, durante uma experiência de exclusão, as áreas do cérebro que se tornam ativas são as mesmas de quando sentimos uma dor física. Assim, neurologicamente falando, essa é uma das possíveis explicações de que a rejeição, em muitos casos, pode vir a "doer muito". (1)

II) Paracetamol (Tylenol) reduz a dor causada pela rejeição emocional.

Um estudo testando a hipótese de que a rejeição seria semelhante à dor física fez com que pesquisadores ministrassem a alguns participantes uma dose de paracetamol, enquanto que no grupo controle foi ministrada uma pílula de açúcar (placebo).

Após essa primeira etapa, foi solicitado aos grupos que recordassem uma determinada experiência de rejeição. As pessoas que receberam o paracetamol relataram uma dor emocional menor, se comparadas a indivíduos que tomaram o placebo, confirmando assim a hipótese inicial da semelhança à dor e de possibilidades futuras de compreensão e tratamento. (2)

III) Rejeição e redução temporária do QI.

Um grupo de pessoas foi convidado a recordar uma recente experiência de rejeição que tivessem vivido. Ao serem submetidos à lembrança da experiência, foram testados em suas funções cognitivas. O resultado? Aquelas que conseguiram melhor se recordar das experiências de dor apresentaram uma pontuação significativamente mais baixa em testes de QI (redução imediata em 25%), testes de memória de curto prazo e, finalmente, em testes de tomada de decisão.

Na verdade, especula-se que, quando sofremos uma rejeição dolorosa, necessariamente não ficamos menos inteligentes, obviamente, mas momentaneamente nos tornamos limitados em nossa habilidade de pensar de maneira analítica (reduzida em 30% nesses casos), comprometendo assim nosso funcionamento cognitivo geral. (3)

IV) Rejeição e agressividade.

Inúmeros estudos têm demonstrado que viver episódios de rejeição (ainda que das formas mais leves) pode desencadear a agressividade interpessoal.

Além disso, a rejeição também foi associada a menores escores de autocontrole, ou seja, quanto mais intensas e repetidas forem as situações de evitação e segregação, maiores serão os comportamentos impulsivos e as atitudes autodestrutivas. Isso quer dizer que a rejeição provocou um aumento na agressividade interpessoal, mas também na intrapessoal (aquela voltada contra o próprio indivíduo) (3)

V) Rejeição e autoestima.

Como somos seres sociais, quanto mais distantes ficarmos mantidos (ou apartados) do grupo de referência, pior nos sentiremos. Vamos lembrar que a afirmativa é válida não apenas em relação ao entorno social, mas também em relação a nós mesmos.

Embora possamos ter uma noção clara de que, muitas vezes, não somos os responsáveis diretos pela evitação ou esquiva grupal, em pessoas mais jovens, inicia-se um processo de culpabilização e de menos valia, aumentando, portanto, as chances de desenvolvimento da depressão e ansiedade. (4)

Por fim, uma das marcas mais comuns da baixa autoestima: extrema sensibilidade às  rejeições, exclusões ou críticas, contribuindo para que essas pessoas criem, cada vez mais, expectativas irreais e/ou aumentadas em relação aos cuidados que os outros deveriam lhes dispensar (mas que não lhes dão).

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VI) Rejeição e noites mal dormidas.

Outra pesquisa revelou que adolescentes expostos à situação de rejeição, apresentaram uma pior qualidade de sono. Vamos lembrar que, muitas vezes, uma noite não reparadora pode ser também responsável por uma menor concentração, o que resulta em uma menor performance escolar no dia seguinte, aumentando assim o sentimento de não pertencimento social.

Portanto, sentir-se rejeitado pode, igualmente, além de afetar certas funções biológicas básicas, como uma boa noite reparadora, perpetuar em nossa mente o senso de esquiva e de discriminação pessoal. (5)

VII) Rejeição e estresse pós-traumático.

A intensa experiência emocional de abandono pode criar, segundo pesquisas, um trauma suficientemente intenso para impactar o funcionamento psicobiológico dos indivíduos. Após uma experiência de abandono na infância ou na idade adulta, por exemplo, em algumas pessoas, relatam sintomas semelhantes ao do estresse pós-traumático. (6)

Uma marca dessa interferência pode ser vista através da presença de uma ansiedade antecipatória contínua, afetando não apenas as expectativas presentes, mas as da vida futura do indivíduo, apenas para citar um exemplo.

VIII) Rejeição e relações amorosas.

A dor de ter passado por situações de abandono ou negligência emocional pode, muitas vezes, deixar marcas por toda uma vida. Pesquisas apontam uma forte correlação entre a rejeição prévia e a escolha futura de parceiros românticos mais inadequados como a omissão, desatenção e descuido.

Dependendo da intensidade da rejeição, observa-se uma excessiva necessidade de aceitação ou aprovação do parceiro afetivo. Tais pessoas afirmam sistematicamente que "dão muito de si" para a relação, mas que "não recebem o suficiente", criando os casos de codependência, traduzidos através do amor e do ciúme patológicos. (7)

Conclusão

Obviamente que os achados acima apenas descrevem elementos presentes às situações de rejeição e esquiva emocional. Obviamente que cada pessoa irá demonstrar maiores ou menores condições de lidar com as adversidades da vida.

Caso você ainda não saiba, até mesmo a capacidade de enfrentar as dificuldades (também conhecida como "resiliência" humana), também é resultante direta das relações afetivas prévias. Assim, quanto maiores e melhores tiverem sido as relações de apoio e cumplicidade emocional (com os menores níveis de rejeição), melhor e maior será a capacidade psicológica de enfretamento observada na vida adulta. (8)

O que sabemos, de fato, é que o sentimento de rejeição pode sim, em certos casos, vir a ser devastador e, cuidar disso, independentemente de nossa idade, é garantia de uma melhor vida futura.

Como cuidar disso? Várias possibilidades são possíveis. Por exemplo, buscar ajuda dos profissionais de saúde ou simplesmente se interessar por isso, já seria um ótimo começo. (9)

"Existem muitas evidências de que os seres humanos, de todas as idades, serão mais felizes e mais capazes de desenvolver seus talentos quando estiverem seguros de que, por trás deles existe uma ou mais pessoas que virão em sua ajuda, caso surjam dificuldades" – John Bowlby.

Pense nisso.

 

REFERÊNCIAS

  1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15242688
  2. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20548058
  3. http://www.newscientist.com/article/dn2051-rejection-massively-reduces-iq.html
  4. http://www.apa.org/monitor/2012/04/rejection.aspx
  5. http://www.aasmnet.org/articles.aspx?id=3936
  6. http://www.abandonment.net/articles/post-traumatic-stress-disorder-of-abandonment-part-i-an-overview-and-list-of-30-characteristics
  7. http://www.grupoa.com.br/livros/psiquiatria/manual-clinico-dos-transtornos-do-controle-dos-impulsos/9788536310893
  8. http://cristianonabuco.blogosfera.uol.com.br/2013/05/24/o-que-e-resilencia-e-porque-isso-e-importante-2/
  9. http://www.casadopsicologo.com.br/teoria-do-apego.html

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!