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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

O que aprendemos na quarentena? Veja algumas lições que podemos tirar

Dr. Cristiano Nabuco

09/06/2020 04h00

Photo by Justin Veenema on Unsplash

Uma coisa é fato: todos nós, de alguma forma, sairemos diferentes dessa longa experiência de reclusão e de isolamento social. Além das questões envolvendo os debates políticos, econômicos e, obviamente, os temas ligados à saúde pública que, cá entre nós, se repetem à exaustão, colaborando com o desenvolvimento de altíssimas doses de estresse individual, me parece que os efeitos psicológicos da pandemia passam ao lado e estão completamente descolados do imaginário coletivo. É como se a subjetividade humana simplesmente não existisse e, assim, não fosse importante de ser discutida.

Claro, façamos justiça ao excetuar as tímidas contribuições que vemos na mídia como um todo, ao alertar sobre o desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão, aumento das taxas de tentativas de suicídio, estresse pós-traumático, o aumento da tensão familiar etc; todavia, aqui reside uma questão maior: na maioria das vezes, deixam-se de lado as aprendizagens positivas que estão sendo propiciadas por todo esse momento.

Você já se perguntou, por exemplo, como irá agir (internamente falando) a partir de todas essas vivências que está sofrendo? Ou ainda: o que tudo isso estará, de verdade, lhe ensinando? Muitas coisas podem ser levadas adiante como importantes lições de vida.

Eu explico.

A primeira lição é a de que o momento presente é extremamente valioso. Veja só, "sabemos" disso faz tempo, mas creia, essa é umas das primeiras vezes que, efetivamente, vivenciamos essa experiência de maneira mais prolongada. A ciência psicológica muito nos ensinou a respeito das práticas do mindfulness, ou seja, da importância de aumentarmos nossa relação com a experiência em curso como um importante recurso de ajuste de nosso bem-estar.

Usualmente, vivemos pensando no dia de amanhã, na próxima sexta-feira, na viagem que faremos em breve, nas tão merecidas férias e, assim, o dia de hoje simplesmente evapora e se torna mais um obstáculo a ser superado com pressa, muita pressa – na verdade, ele virou apenas "um detalhe". Isso faz com que criemos um tipo de "visão em túnel", deixando de lado importantes questões pessoais, por exemplo, "como estou me sentindo hoje?" ou, "meu trabalho ainda me encanta?" ou, "estou satisfeito com o que conquistei na vida?".

Ao que tudo indica, viver voltado para o futuro nos ajudou a criar um tipo de anestesia emocional a respeito de tudo aquilo que não está bem dentro de nós, deixando-nos, psicologicamente, fora de foco. Arrisco dizer que, não apenas anos se passam, mas, em muitos casos, décadas, até que começamos a prestar um pouco mais de atenção em como, de fato, estamos verdadeiramente nos sentindo.

A pandemia nos ensinou, portanto, que o dia de hoje é muito importante e merece ser vivido em sua plenitude, pois, literalmente, é a única coisa que temos nas mãos, pois já não temos o mínimo controle a respeito do que a covid-19 fará com todos amanhã (acabou-se o controle e o manejo dos planos futuros). Em função disso, tenho me surpreendido com o número de pessoas que estão se dizendo, inclusive mais animadas – apesar de todos os problemas – por poderem voltar-se para as coisas esquecidas nos armários e até nas gavetas da alma e, mais que isso, por terem interrompido sua vida ao poderem perceber o quanto que a vida cotidiana estava longe (muito longe) de ser representativa (claro, não estou falando aqui daqueles que não tem onde morar ou o que comer).

Aprendemos também uma outra coisa importante: de que a relação com nosso trabalho pode e deve ser urgentemente repensada. A maioria das pessoas – incluindo eu mesmo – estão imaginando como será o tão falado "novo normal" que, possivelmente, deverá ser muito diferente, não por conta da pandemia, mas pelas mudanças pessoais que tomarão lugar. Muitos, tenho ouvido, dizem que não irão trabalhar como antes, pois se perdeu o "velho" sentido.

E as relações familiares? O que percebemos? Descobrimos que muito daquilo que tanto nos importunava, na verdade, era muito mais proveniente de nossa falta de tempo ou de paciência do que propriamente decorrente das pessoas à nossa volta (que precisam, na verdade, apenas de um pouco de atenção). A pandemia, assim, nos abriu uma possibilidade de olharmos nos olhos dos outros, de vez em quando, descobrir que, como nós, eles também estão inquietos e assustados e que, na verdade, "estar bem" também se relaciona com nossa capacidade de poder ajudar os outros a se sentirem, igualmente, um pouco melhor.

E, finalmente, descobrimos que podemos viver com as mesmas roupas por dias, pois são poucas aquelas que efetivamente nos trazem o verdadeiro conforto emocional. Não precisamos de vários sapatos ou de um guarda-roupas muito representativo e, o mais interessante, quando percebemos que quando paramos de comprar aquilo que não era importante, o mundo lá fora colapsou.

Assim, a lição que fica é a de que devemos viver um dia de cada vez, prestando um pouco mais de atenção aos detalhes e, desta forma, tirando o máximo de proveito possível de cada gesto ou ato. Ao fazermos isso, estaremos emocionalmente mais presentes para poder realizar os ajustes de percurso que são importantes e, finalmente, voltar a fazer as verdadeiras conexões conosco e com as pessoas que realmente importam à nossa volta.

Eu não sei como você tem se sentido, mas essa experiência poderá nos devolver uma leveza que não sentíamos faz muito tempo. Como diz aquele velho ditado: a vida é muito mais simples do que parece… e, se está difícil, é porque a fazemos assim.

Pense nisso.

Afinal: o que você aprendeu na quarentena?

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!