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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Conheça os impactos psicológicos do isolamento em casa e como reduzi-los

Dr. Cristiano Nabuco

24/03/2020 04h00

Foto de Ethan Sykes – Unsplash

Quarentena é a separação e restrição de movimento de pessoas que foram potencialmente expostas a uma doença contagiosa, com o objetivo de averiguar se estão, efetivamente, doentes, reduzindo assim o risco de contaminação de outras pessoas. (1)

Esta definição, entretanto, difere do isolamento, que é a separação de pessoas que já foram diagnosticadas com uma doença contagiosa, visando preservar a integridade daquelas que ainda não estão doentes, entretanto, os dois termos – quarentena e isolamento – são frequentemente usados como sinônimos.

Na verdade, a palavra quarentena foi usada pela primeira vez em Veneza, Itália, em 1127, em relação à hanseníase, e depois amplamente utilizada novamente em resposta à Peste Negra. (1)

Atualmente, a partir dos problemas recentes da covid-19 e novo coronavírus, muitas cidades ao redor do mundo têm utilizado esse recurso como forma incisiva de se tentar reduzir a disseminação da doença, todavia, essa não é a primeira vez que essa ação é colocada em prática. A literatura especializada relata que em certas regiões da China e do Canadá, por exemplo, adotaram a prática durante o surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003, assim como em alguns países da África durante o surto de Ebola em 2014. (1)

Embora a saúde física seja o principal objetivo do resguardo, fica a pergunta: qual seria o impacto psicológico sofrido por aqueles que são obrigados a se afastar de tudo e de todos?

Por experiência própria, estamos começando a sentir na pele que essa será uma fase, do ponto de vista emocional, muito difícil; nesse sentido, os benefícios potenciais da quarentena em massa precisariam ser cuidadosamente ponderados frente aos custos psicológicos que a determinação acaba por cobrar de todos, indistintamente.

Consequências para a saúde mental

Quanto às quarentenas, uma pesquisa conduzida na Califórnia, junto a 398 adultos, que passaram pela reclusão, investigou as respostas psicossociais das crianças e seus pais frente aos desastres pandêmicos, onde se mediram especificamente as respostas ao estresse traumático em crianças e seus pais.

O resultado apontou que essas medidas foram traumatizantes para uma parcela significativa da população avaliada, ou seja, os critérios para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foram atendidos em 30% das crianças isoladas ou em quarentena, com base nos relatórios dos pais, ou seja, 3 vezes maior do que as crianças sem confinamento, e em 25% dos pais em quarentena ou isolados, indicando serem, efetivamente, traumáticos. (1-2)

Outros estudos citam, por exemplo, que, além da presença do estresse pós-traumático, deu-se o surgimento na população reclusa de vários problemas emocionais, como a depressão, humor rebaixado, insônia, raiva, exaustão emocional e irritabilidade. Pessoas em quarentena, por estarem em contato próximo com aqueles que potencialmente teriam SARS no passado, relataram várias respostas negativas durante o período de quarentena: mais de 20% relataram medo, 18% relataram nervosismo e 18% relataram tristeza. (1-2)

Outra pesquisa se debruçou junto a uma amostra de 549 funcionários de um hospital em Pequim, China, em 2003, que haviam sido expostos a um surto de SARS, ao procurar avaliar os tipos de exposição ao surto e a eventual presença de sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Os resultados mostraram que, com outros fatores relevantes controlados, ter passado pela situação (surto) aumentaram as chances de se viver um alto nível de sintomas depressivos três anos depois. (1-3)

Nesse outro estudo, foram examinadas 129 canadenses em quarentena e que responderam a uma pesquisa sobre a prevalência de sofrimento psicológico. Sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e depressão foram observados em 28,9% e 31,2% dos entrevistados, respectivamente (1-4)

No entanto, outras investigações não apontaram resultados significativos. Por exemplo, em um estudo conduzido em 2009, na província de Zhejiang, China, durante a epidemia de H1N1, comparou estudantes de graduação que haviam sido colocados em quarentena com aqueles que não haviam se submetido ao isolamento. Os sujeitos foram avaliados imediatamente após o período e não se encontrou significante diferença entre os grupos, no que diz respeito aos sintomas de pós-traumático ou de problemas gerais de saúde mental. (5) Supõe-se que os resultados negativos sejam devidos ao fato de que a população estudada era formada, basicamente, por estudantes jovens e não adultos empregados em tempo integral, o que sugeriria um menor impacto em suas responsabilidades. (1)

Principais estressores da quarentena

A duração é um dos elementos centrais. Alguns estudos mostraram que durações mais longas de quarentena foram associadas a um aumento da prevalência de sintomas de TEPT, além do conhecimento ou da exposição direta de alguém com diagnóstico de SARS, também estiveram associadas ao TEPT e a presença de sintomas depressivos. Uma publicação demostrou que aqueles que ficam em quarentena por mais de 10 dias têm chance de apresentar os piores sintomas de estresse pós-traumático, se comparados aos que ficaram resguardados por períodos menores de 10 dias. (1-6)

O medo de infecção também é descrito e presente em pessoas em quarentena. Tais preocupações são manifestadas em forma de temores sobre a própria saúde ou medo de infectar outras pessoas. Além disso, esteve mais presente a preocupação de se experimentar algum sintoma físico potencialmente relacionado à infecção, principalmente, junto às mulheres grávidas e aquelas com crianças pequenas. (1)

A frustração, tédio, confinamento, perda da rotina, redução da capacidade social e diminuição do contato físico com outras pessoas eram frequentemente relatados como presentes em indivíduos confinados. (1)

Não dispor de suprimentos adequados como, por exemplo, comida, água ou roupas, durante a quarentena, foi uma fonte de frustração, relatam duas publicações, o que causou aumento da ansiedade e a presença de raiva nos praticantes. Não conseguir cuidados médicos regulares e prescrições também foram relatados por alguns. (1)

E, finalmente, as informações imprecisas e inadequadas também aparecem como fonte de tensão, ou seja, muitas pessoas confinadas citaram informações precárias fornecidas por órgãos públicos e a falta de diretrizes sobre ações a serem tomadas. Por exemplo, após a epidemia de SARS em Toronto, os indivíduos relataram certa confusão nos temas ligados à saúde pública, devido à falta de coordenação entre as múltiplas jurisdições e níveis de governo envolvidos, o que fazia as pessoas temerem o pior. (1) O entendimento limitado de lógica individual também é uma poderosa barreira na compreensão dos problemas e, obviamente, também gera estresse, assim como a perda da renda e a incerteza econômica a respeito do futuro imediato. (6)

Conclusões

O impacto da quarentena é abrangente, substancial e pode ser duradouro, todavia, isso não sugere que a quarentena não deva ser utilizada como recurso de garantia para assegurar melhores níveis de saúde pública. Entretanto, pesquisas sobre efeitos psicossociais da quarentena, associados a pandemias globais (como aquelas associadas a SARS, por exemplo), indicam uma associação entre quarentena e níveis maiores de sofrimento emocional, ansiedade e sintomas de TEPT e, dentro dos períodos de reclusão mais longos, a presença do TEPT, trazendo sintomas mais graves.

Os cientistas também sugerem que, dentro do possível, todas as medidas precisam ser tomadas para garantir que a experiência da reclusão seja a mais tolerável possível às pessoas.

Segundo as investigações, isso pode ser alcançado ao se:

  • Dizer às pessoas o que está acontecendo e por qual razão ocorre;
  • Explicar quanto tempo a ação irá continuar;
  • Fornecer sugestões de atividades que possam ser feitas pelas pessoas enquanto a quarentena durar;
  • Prover uma comunicação clara e, dentro do possível, garantir suprimentos básicos (como alimentos, água e suprimentos médicos)

Todavia, vamos lembrar que, talvez, essa seja a parte mais difícil, pois nunca se viveu nada em uma esfera global como agora, o que confunde, aturde e desorienta qualquer pessoa ou governo.

Cuide de sua saúde física, mas não esqueça jamais de sua saúde mental. Nosso bem-estar é um conceito um pouco mais amplo do que apenas ficar resguardado e seguro dentro de casa. Os impactos psicológicos não podem, em hipótese alguma, ser desconsiderados dentro do que estamos vivendo hoje, frente à pandemia.

Referências bibliográficas
(1) https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30460-8/fulltext
(2) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24618142
(3) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3176950/
(4) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3323345/
(5) https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0163834310002070
(6) https://www.doh.wa.gov/Portals/1/Documents/1600/coronavirus/PsychosocialLitReview.pdf

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!