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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Celular e tablet estão associados ao atraso na fala das crianças

Dr. Cristiano Nabuco

19/06/2018 04h00

Photo by Kelly Sikkema on Unsplash

Talvez não seja nenhuma novidade nos depararmos com crianças segurando celulares e tablets –ou mesmo computadores infantis– em restaurantes, parques e buffets.

E os pais, de maneira orgulhosa, estimulam essa prática por acreditarem que o contato precoce com as telas pode, na verdade, levar seus filhos a um melhor desenvolvimento cognitivo ou, muitas vezes, de maneira justificada, por terem alguma necessidade extra de tempo, para se dedicarem às tarefas pessoais ou da casa. (1)

E, dessa forma, a vida segue. Crianças interagindo com os eletrônicos, o que traz entretenimento e sossego. Certo?

Errado. Apesar de muito comum, extremamente errado.

Eu explico.

Uma pesquisa conduzida em Toronto (Canadá) examinou 894 crianças, com idade variando entre seis meses e dois anos, por um período de cinco anos. (2)

Os pais, quando entrevistados pelos cientistas, relataram a quantidade de tempo que seus filhos, aos 18 meses de idade, gastavam usando as telas, em minutos por dia. Na sequência, os pesquisadores usaram alguns critérios científicos de avaliação para mensurar o desenvolvimento de linguagem que essas crianças apresentavam, incluindo, por exemplo, se as mesmas utilizavam sons ou palavras para chamar a atenção dos pais ou pedir ajuda, entre outras ações e comportamentos frequentes a essa fase.

A investigação revelou que 20% das crianças gastavam, em média, 28 minutos por dia junto aos eletrônicos. A cada aumento de 30 minutos nesse tempo diário, segundo os pesquisadores, foi associado a um acréscimo de 49% no risco de atraso no desenvolvimento da fala. O estudo, entretanto, não encontrou qualquer ligação entre o uso de um dispositivo portátil com outras áreas de comunicação, como gestos, linguagem corporal e interação social das crianças com o entorno.

E a explicação é bastante óbvia.

Nessa fase, o tipo de estimulação recebida pelo cérebro infantil deixará impressões (positivas e negativas) no cérebro de uma criança até o final da adolescência, ou seja, quanto maior for a incitação resultante dos contatos e das interações sociais, maior será a possibilidade de um melhor desenvolvimento intelectivo da criança. (3)

Os cientistas descobriram que quanto maior o estímulo mental que uma criança recebe na primeira fase da vida, mais desenvolvidas serão as partes de seu cérebro dedicadas à linguagem e cognição, nas décadas futuras.

No trato com os pequenos, portanto, priorize, em vez dos eletrônicos, as atividades infantis mais tradicionais como os livros (que ensinam sobre cores, números ou letras), desenhos, brinquedos educativos e, finalmente, os instrumentos musicais. (4)

Ah, e o mais importante: somado a isso tudo, vamos recordar, quanto maior for o apoio emocional ou cuidado que uma criança recebe de seus pais, maiores serão suas habilidades emocionais presentes ao longo de toda uma vida. (5) O desenvolvimento do córtex cerebral no final da adolescência está intimamente correlacionado com a estimulação que uma criança recebe nessa idade mais tenra. (3-6)

Conclusão

Os primeiros anos são, definitivamente, determinantes. Dessa forma, não deixe que um eletrônico ocupe o lugar de um pai ou de uma mãe. E, não esqueça: quanto maior o tempo gasto na frente da tela dos computadores ou celulares, aumenta a probabilidade de seu filho(a) apresentar atrasos expressivos na fala.

É bem provável que estejamos entrando em uma fase da humanidade em que, de fato, não haverá volta em direção às coisas mais simples da vida, ou seja, tudo vai nos empurrar em direção à tecnologia, o que pode ser muito interessante, desde que seu uso seja equilibrado e sensato, o que, de fato, não parece estar ocorrendo. (7)

"Eu temo o dia em que a tecnologia ultrapasse nossa interação humana, e o mundo terá uma geração de idiotas" – autor desconhecido

 

Referências

(1) https://loja.grupoa.com.br/livros/psicologia-geral/vivendo-esse-mundo-digital/9788565852951

(2) https://eurekalert.org/pub_releases/2017-05/aaop-hst042617.php

(3) https://www.theguardian.com/science/2012/oct/14/childhood-stimulation-key-brain-development

(4) https://literacytrust.org.uk/resources/10-reasons-why-play-important/

(5) https://www.amazon.com.br/Teoria-Apego-Cristiano-Nabuco-Abreu/dp/8573964235

(6) http://www.springerpub.com/internet-addiction-in-children-and-adolescents.html

(7) https://www.theodysseyonline.com/problem-technology-todays-society

 

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!