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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Consequências psicológicas da corrupção

Dr. Cristiano Nabuco

25/02/2015 08h00

© AGPhotography - fotolia

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De fato, não é novidade para ninguém que nosso país se afunda na corrupção. Dos mais baixos aos mais altos escalões, todos os dias e de maneira incansável, somos bombardeados por notícias de desvios, subornos e atos ilícitos praticados pelas pessoas.

Não duvido que até tenha se tornado, de alguma maneira, folclórico no Brasil, conviver com informações dessa natureza. Entretanto, além de corroer, como um câncer, a saúde e nosso equilíbrio econômico, acredito que estar exposto a esse tipo de ocorrência pode gerar efeitos psicológicos ainda maiores nas cabeças ainda em formação.

Eu explico.

Quando crianças, vários estudos já atestam a necessidade de sermos conduzidos por pessoas que nos eduquem a partir de valores claros e bem delineados a respeito do mundo ao nosso entorno e de nosso comportamento. Por exemplo: pais que conseguem transmitir aos filhos valores precisos que envolvam segurança (apoio psicológico) e limites são aqueles mais afortunados na criação de uma boa base de saúde mental para a vida futura de seus pequenos.

Por sua vez, lares onde os cuidadores alternam seus cuidados, ou seja, ora tornando-se presentes, ora ausentes, seja por repetição dos modelos familiares, doença, ou até por negligência emocional, onde o afeto sistematicamente surge e desaparece, abre-se um espaço para que a insegurança e a incerteza se tornem um parâmetro na vida emocional dos filhos. Desnecessário elencar aqui as centenas de pesquisas que relacionam os modelos pobres de afeto materno e/ou paterno ao uso abusivo de álcool e drogas, comportamento antissocial, depressão etc.

Assim sendo, se a pessoa no micro entorno (leia-se: família) sentir-se desassistida, pode criar efeitos nefastos para a saúde mental futura, qual seria então a consequência de estarmos expostos a atos contínuos e repetidos de corrupção? Mais especificamente: que tipo de impacto isso poderia causar no imaginário psicológico das pessoas?…

Para se pensar, não é mesmo?…

Sabemos que nosso cérebro facilmente se adapta às mais variadas situações, ou seja, nossa mente opera dentro do que se denomina de "plasticidade cerebral". Isso quer dizer que tudo aquilo que, a princípio, se mostra absurdo aos nossos julgamentos, rapidamente, com a repetição, passa a ser entendido como algo comum e "normal".

Quer um exemplo?…

Vamos lá: jovens que utilizam videogames violentos tornam-se tolerantes às situações de agressividade. Pesquisas mostram que essas crianças, especificamente, quando expostas a ocorrências de crueldade e selvageria interpessoal, são aquelas que mais tempo levam para recorrer à intervenção de um adulto, se comparadas àquelas que não foram expostas às mesmas situações. Ou ainda, as crianças sujeitas às situações de barbárie são as que se apresentam mais anestesiadas às transgressões sociais do que outras (em função de um processo psicológico denominado "habituação").

Portanto, conviver com agressão e desrespeito, faz com que crianças e jovens se tornem insensíveis a esse tipo de situação.

Bem, e conviver com a ambivalência de valores e a corrupção?…

Por partes. Vamos antes a um possível início?

Origens

Embora não seja historiador, sabemos que muitos de nossos colonizadores tinham no Brasil um local de exploração de madeira, pedras preciosas e mão de obra escrava. Desde nossos primórdios, nosso país foi tido como um território de proveito e de utilização de recursos encontrados em abundância.

E, durante muitos séculos, essa foi a mentalidade prevalente, ou seja, tudo que seria de valor e que pudesse ser explorado era passível de ser exportado aos territórios ultramarinos.

Creio que essa ideia se instalou fortemente em nossa gente, ou seja, ainda que o Brasil Império tenha acabado há séculos, a mentalidade social ainda é permeada pela tentativa de se obter benefícios e vantagens a qualquer custo. As pessoas ultrapassam pelo acostamento, jogam lixo pela janela do carro, sonegam impostos, ou seja, prevalece quase que sempre a lógica da vantagem individual em detrimento da coletividade.

Consequências

É possível então que, à medida que as gerações tenham testemunhado atos contínuos de desrespeito social ao longo dos séculos nos mais variados níveis, nossos princípios morais tenham sido, de alguma maneira, alterados e, sem que percebamos, acabamos nos tornando mais tolerantes a esse tipo de situação.

Talvez nosso senso de cidadania tenha ficado, de alguma maneira, deformado, ao nos conferir a falsa ideia de que vivemos em um local onde cada um está autorizado a fazer aquilo que mais lhe satisfaz e lhe beneficia (quem não se recorda da história do "jeitinho" brasileiro?).

© laufer - fotolia

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Dessa forma, como consequência, em nosso imaginário impera a individualidade e a lei da sobrevivência, isto é, semelhante a uma casa onde habitam crianças sem que os pais possam exercer sua autoridade, sentimo-nos, muitos de nós, vivendo em uma terra sem lei e sem princípios.

No inconsciente coletivo dos dias de hoje, não seria então de se estranhar que os filhos não mais respeitam tanto seus pais, alunos sentem-se a vontade para agredir seus professores, black-blocs acreditam ser legítimo danificar propriedades alheias, torcedores sentem-se no direito de vandalizar estádios e oponentes, minorias devem mesmo ser perseguidas e por aí vai, ou seja, onde bem você focar sua atenção, seguramente achará algum tipo de ocorrência dessa natureza.

Conclusão

Eu sei que até pode parecer meio pretensioso de minha parte tentar juntar todos esses fenômenos em apenas um texto, tenho plena consciência, mas tenha esses parágrafos como uma tentativa ou até um ensaio mental de entendimento de nossos dias.

Não tenho dúvidas que nossa coletividade atual vive um estado de grande depressão psicológica, pois ficamos desacreditados de tudo e de todos, desesperadamente buscando alguma alternativa que sirva de remédio à grande desilusão social que nos aplaca e que, de alguma maneira, nos impede que voltemos a acreditar em alguma coisa.

Voltando à realidade então: como atenuar a exposição a modelos deteriorados de comportamento social e antiético junto aos filhos?…

Minha resposta mais simples é: "delimite regras".

Não tenha receio de usar suas crenças e valores como parâmetros firmes e claros de educação e de convivência social. Um ponto fixo no meio da escuridão sempre oferece uma boa orientação no mar de ambivalência de princípios que hoje habitamos. Se você sente que isso falta na sociedade, comece então criando e reforçando a ordem em sua própria casa.

Combater a corrupção, a falta de cidadania e de ética pode sim ser alterado a partir de nossa relação com nossa própria família, filhos, funcionários e amigos.

Sabe como? Dê o exemplo.

Quando somos fieis aos nossos valores, ajudamos nossos pequenos e o entorno a não se anestesiar com o absurdo de nossa realidade, ao criarmos um trilho definido de ética, juízos positivos e bons conceitos.

Pense nisso.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!