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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Traumas psicológicos natalinos: uma crônica

Dr. Cristiano Nabuco

17/12/2014 09h00

© Aaron Amat - fotolia

© Aaron Amat – fotolia

Seguramente, uma das fases mais exóticas do ano é a comemoração do Natal.

Considerando que a maioria dos brasileiros adota uma orientação católica e a festividade natalina se torna mandatária em todos os veículos de comunicação, é praticamente impossível não ser afetado pela data.

Assim, desde que se registra a aproximação do evento, uma série de obrigações já despontam no horizonte, quer gostemos delas ou não. Desde o ambiente familiar ao nosso espaço de trabalho, quase todos começam a exibir algum tipo de preparação.

Creio que um dos mais clássicos seria o almoço corporativo de final de ano com a presença inevitável, obviamente, do "amigo secreto".

O drama tem início no momento em que o destino nos faz chegar à mão o papel sorteado com o nome da pessoa por quem menos nutrimos simpatia. Dessa forma, além de sair e ter que gastar com alguma coisa que seja minimamente aceitável – evitando assim mais mal-estar interpessoal -, teremos ainda que despender algumas horas na festa de celebração. Até aí, são anos e, de alguma maneira, já nos acostumamos, mas ter que trocar o presente com um sorriso enganador, de fato, exige de nós um estado de total abnegação emocional.

Os RHs das empresas deveriam olhar com mais cautela o que esse simples momento pode, na verdade, fazer com o clima organizacional construído ao longo do ano. Dificilmente haverá momentos que tenham o poder de aguçar tão intensamente nossos sentimentos mais primitivos, expressos através dessa "confraternização".

Ao deixarmos o ambiente, é bem possível sentirmos emoções profundas de desolação, colocando em questão, inclusive, a existência de uma "depressão sazonal natalina" – quem sabe um dia os pesquisadores ainda estudem melhor esse critério diagnóstico.

Bem, no momento em que achamos que poderíamos voltar a nos recuperar, somos lembrados por alguém da festa com a família (?!), prestes a ocorrer.

O problema já começa na tentativa de decidir em qual lugar a comemoração será realizada. Se em sua casa, na casa de seus pais ou, obviamente, na casa da sogra. Isso deverá consumir algumas horas importantes de sua existência que, absolutamente desperdiçadas, poderão comprometer sua vida relacional com cônjuge e filhos por algum tempo.

Uma única coisa é certa: esse encontro nunca ocorrerá no local que mais lhe agradaria.

Superado essa angústia, seguimos em direção aos convidados que provavelmente estarão presentes, claro. Festa sem convidados não faz sentido algum.

É provável que, uma vez no ambiente, você tenha que criar assuntos dos mais variados para tentar ser "um pouco" mais simpático(a), suavizando sua aura de infelicidade. Vamos lembrar que essa comemoração ocorre apenas "uma vez por ano" (essa é uma poderosa técnica psicológica de relativizar acontecimentos para torná-los menos desconfortáveis) e que, dessa forma, com um pouco de empenho, todos sairemos vivos.

Nessas tentativas de enfrentamento, até poderemos usar alguns recursos de autoinstrução psicológica (leia-se: desenvolver pensamentos positivos) para tentar exercer algum tipo de controle sobre nossas emoções mais indóceis, entretanto, podemos ser fortes o bastante, perseverar, mas devo dizer que pouco tempo de convívio é forte o bastante para nos fazer sucumbir.

Nessa hora nos recordamos da razão pela qual encontramos alguns familiares apenas uma vez por ano e porque os veremos, se depender de nós, apenas no ano que vem (ou nunca mais).

Esse instante possivelmente se assemelha a um quadro de transtorno bipolar, pois momentos de alegria são subitamente entrelaçados por um mau humor implacável, alternado ao sabor de nossa companhia de mesa.

Se existisse um quadro para definir esse momento, seguramente o batizaríamos de "transtorno afetivo bipolar do tipo natalino".

Mas, voltando à festa: como nem tudo pode ser ruim, alguns pensamentos sobrevivem e nos fazem lembrar que podemos nos distrair um pouco. Dessa forma, comer e beber podem se revelar uma ótima distração.

Essa lúcida consciência se esvai no momento em que constatamos que os pratos principais "não levam" sal, em função da pressão alta de alguém, conforme recomendou o médico dele ou dela, deixando a refeição lá meio que sem sal – literalmente.

© olly - fotolia

© olly – fotolia

O que nos sobra? Bem, podemos beber então. Claro! Além de refrigerantes, há de se encontrar nossa bebida preferida. É apenas uma questão de procura e saímos à busca dela.

É nesse momento que lembramos que, se ela existir – o que seria muito pouco provável -, ou será de péssima qualidade ou estará ao lado da pessoa menos agradável da festa, a qual, inclusive, fará questão de sorver até a última gota, sozinha.

Nesse momento nos sentimos como sobreviventes de um cataclisma que, tendo desenvolvido "estresse pós-traumático da ceia de Natal", nos fará sermos visitados por "flash backs" (lembranças da experiência), manifestas através dos pensamentos intrusivos por um longo tempo, até quem sabe o Reveillon.

Mas, ainda que narrativas sejam reais – o que é desolador -, e os diagnósticos natalícios uma brincadeira, é claro, vamos falar sério?…

Honestamente, nem de longe desejo diminuir o valor religioso que cada um atribui a esse momento e nem mesmo ofender a festa de celebração que tanta importância traz, entretanto, com todo o respeito, devo confessar que períodos como esse desafiam ao máximo nossa psicologia interna e nossa capacidade de tolerar a frustração.

Entendo assim, que o Natal, do ponto de vista emocional, nada mais é do que uma amostra ou retrato das dificuldades que encontramos em nosso cotidiano e que envolvem aprender a tolerar, manejar nossa insatisfação e, principalmente, usar a adversidade como forma de crescimento pessoal.

Ao usarmos desses episódios, não apenas nas festas mas na vida como um todo, efetivamente temos uma real chance de nos tornar melhores.

"Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades", dizia Epicuro.

Pense nisso.

Ótimo Natal e um excelente 2015!

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!