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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

O efeito Tinder nos relacionamentos

Dr. Cristiano Nabuco

24/09/2014 09h00

© Coka - fotolia

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Caso você ainda não saiba, "Tinder" é um aplicativo de relacionamento que, ao selecionar fotos e alguns dados extraídos de sua conta no Facebook, permite que o usuário fique disponível a um eventual relacionamento para ser avaliado por interessados(as).

Embora tenha sido lançado em janeiro do ano passado e, rapidamente, atingido a marca de um milhão de usuários, em dezembro de 2013 já contabilizava 500 milhões de perfis, crescendo na ordem de 15% a cada semana.

Sean Rad, CEO da empresa, disse que o Tinder "veio para resolver um problema fundamental que as pessoas têm em relação à descoberta de outras pessoas", ou seja, segundo o executivo, uma parte expressiva dos indivíduos não consegue ter uma boa noção a respeito de quando alguém está, efetivamente, interessado nelas e, desta forma, o aplicativo "resolve", de maneira rápida e prática, o impasse situacional.

Além disso, o Tinder igualmente auxilia na quebra de outra grande barreira que, muitas vezes, precisaria ser contornada junto aos que são prejudicados por elementos imponderáveis (como, por exemplo, o que dizer, como se apresentar, decidir ser ou não mais espontâneo etc), além do fato de praticamente eliminar alguns elementos da comunicação não-verbal (gestos e posturas) que agem de maneira decisiva, influenciando positiva ou negativamente o resultado final da "abordagem".

Dessa forma, com esses empecilhos resolvidos, o usuário ainda tem o conforto de fazer seu processo de escolha e seleção desde casa ou da privacidade de seu ambiente, o que lhe transmite, obviamente, uma maior sensação de controle. Resumo da ópera: não precisamos mais dos ambientes físicos, caso desejemos conhecer alguém. Basta nos conectar ao aplicativo e pronto. Quase como um jogo, vamos marcando pessoas de nosso agrado até que, no caso de sermos também selecionados, a conversa pode se iniciar.

A mídia já noticiou amplamente a eficácia do Tinder, bem como pessoas também me relataram a respeito das chances reais de criar novos relacionamentos através do aplicativo. Assim, partindo desse cenário, é possível então que consideremos que as questões conjugais estejam então resolvidas, certo?…

"Talvez", respondo eu, pois as maiores lições do efeito Tinder são, em minha opinião, mais psicológicas do que poderíamos imaginar. Embora eu ainda não tenha formado uma ideia mais ampla a respeito da sua real utilidade, algumas questões já poderiam ser consideradas:

• Aplicativos de namoro podem ser mais estimulantes do que as práticas reais da vida real?

Em nossa era tecnológica, as formas de estabelecer novos laços invariavelmente passam pela internet e pelas redes sociais. Caso você ainda não saiba, segundo um artigo publicado no The Wall Street Journal no ano passado, de acordo com os advogados especializados em divórcio nos EUA, 80% dos casos recentes são decorrentes de relações que começaram online, que incluem trocas de e-mails, mensagens de texto e contatos frequentes via Facebook. Outra fonte já aponta que na França, 50% dos casos de divórcio tiveram origem nas redes sociais.

FONTE: imagem do website www.tinder.com

FONTE: imagem do website www.tinder.com

Portanto, é possível que o romantismo, elemento considerado como uma das molas-mestras de qualquer relação, tenha se reduzido a algumas linhas de cantadas digitadas que são mescladas com emoticons e que, nem de longe, captam a intensidade de nossas emoções, pois além de reduzir nossa capacidade de expressão, não conseguem aferir o grau de aceitação do outro a nosso respeito.

• A personalidade eletrônica pode ser positiva?

Embora ela não seja real, essa identidade eletrônica é o meio através do qual nos expressamos nas redes sociais. Essa versão psicológica de nós mesmos é cheia de vida e de vitalidade e não parece ser afetada pelas velhas regras de comportamento, trocas sociais e etiquetas do cotidiano.

Na vida digital, as pessoas se tornam, por exemplo, mais assertivas, menos contidas e, decididamente, mais desobedientes, pois a e-personalidade age como uma força que libera os indivíduos a transcenderem suas limitações ao permitir que as inibições possam ser facilmente superadas.

Assim, a personalidade eletrônica possibilita uma oportunidade para que as vivências da vida virtual possam se sobrepor às limitações encontradas no cotidiano. Em muitos casos, inclusive, essa versão virtual complementaria a personalidade real ao atuar como uma extensão de nossa "persona". Tal desenvoltura poderia ser compreendida como um modelo "recriado" (ou melhorado) de nós mesmos ao oferecer um senso maior de eficiência interpessoal – algo funcionando com um "terceiro braço".

A grande questão, entretanto, é o momento no qual o encontro virtual deva ter seu seguimento consumado no mundo físico e a dúvida, muito possivelmente, não será daquelas mais comuns que tanto temos, como decidir a respeito de qual roupa usar ou ainda que lugar sugerir, mas (aqui vem o problema) "qual" personalidade apresentar?

Devemos levar conosco uma versão de nosso perfil digital, que é aquele recheado de glamour e de selfies realizadores – e que serviu de base para que fossemos escolhidos – ou agir de acordo com nossa personalidade real?… Pois é, este é, efetivamente, um grande impasse.

• Estaríamos perdendo a capacidade de interação?

Se formos pensar tecnicamente, a corrida da atratividade tornou-se muito mais obra dos algarismos psicométricos de combinação do que nossa habilidade real de escolha ou de ser escolhido. Veja que, nesse caso, um programa define "quem" potencialmente poderia nos interessar, tirando assim de nosso controle as possibilidades de direcionar nosso destino. Considerando que muitos usuários gastam uma quantidade expressiva de tempo cuidando de seus perfis nas redes sociais, aumentar o nível de atratividade pessoal se tornou praticamente fruto direto da habilidade de cada um de manejar seus perfis virtuais.

Assim, possivelmente, muitas dessas pessoas preferem julgar 50 fotos em dois minutos do que gastar 50 minutos avaliando um parceiro em potencial. Gastar 90% de seu tempo focado apenas na elegibilidade da aparência de alguém pode se revelar, ao final, um enorme equívoco.

Acho que não seria nada mal nos lembrarmos que a originalidade e os atributos psicológicos não podem jamais ser substituídos por algum programa estatístico e que nossa personalidade ainda seja uma das formas mais eficazes de se encontrar alguém. Seja ela do jeito que for.

Entenda que achar a sua alma gêmea não pode ser reduzido, nunca, a uma possibilidade algorítmica de um aplicativo da web.

Pense nisso.

O efeito Tinder nos relacionamentos pode ser maior do que se imagina.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!