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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Compreendendo a rejeição pessoal

Dr. Cristiano Nabuco

10/09/2014 09h00

© zea_lenanet - fotolia

© zea_lenanet – fotolia

Como psicoterapeuta, percebi, ao longo de minha carreira, que um dos maiores motivos – se não o maior – que traz as pessoas à terapia é o fato de, em algum momento de sua vida, terem vivido algum tipo de experiência envolvendo rejeição.

Filhos em relação aos seus pais, jovens em relação aos amigos, adultos em relação a seus parceiros afetivos ou junto ao grupo de trabalho, não importa o contexto, permeando essas narrativas, sempre existiu a percepção de não ter sido considerado de maneira satisfatória por alguém.

Como na maioria dos fatores que explicam a essência dos comportamentos, possivelmente aqui também encontramos a necessidade de ser aprovado pelo grupo, como originária das bases biológicas.

Voltando ao nosso passado distante e épocas em que vivíamos um ambiente hostil, ser aceito pelo bando nos assegurou a possibilidade de viver mais e melhor. Estar próximo ao grupo, por exemplo, nos assegurou alimentar melhor, procriar com mais facilidade e, finalmente, obter a proteção.

Sabe-se hoje que os três fatores unidos criaram em nosso cérebro um mecanismo automático – semelhante ao desejo de satisfazer nossas necessidades fisiológicas – acionável nas situações em que alguma ameaça é percebida. Assim, quando o sistema mental emite o "alerta", o indivíduo busca rapidamente a reunião com o bando, e assim desativa o sistema de busca de proteção.

Dessa forma, inclusive nos dias de hoje, quando é detectado algum risco de não ser integrado à equipe, o sistema dispara, informando-nos a respeito do problema a ser resolvido (a exemplo de como sempre ocorreu ao longo de nossa evolução).

Até aqui, nada de anormal. O princípio biológico de inclusão ao grupo sempre cumpriu e cumpre seu papel de maneira exemplar. Vale dizer que isso também ocorre junto a outros sistemas comportamentais, como evitar o frio, a busca do sono etc.

Mas, qual seria então a ligação entre um mecanismo biológico de busca de proteção e um sentimento maior de rejeição pessoal?…

Simples, eu explico.

Hoje, como não temos mais que brigar por um pedaço de comida ou proteger nosso território da invasão de animais selvagens, como acontecia com nossos antepassados, nosso cérebro, quando estimulado pelo desconforto, procura dar alguma justificação ao sentimento.

Atualmente, como somos pensantes, o mecanismo comportamental não age mais solitariamente e assim, nossa mente tem a necessidade de procurar "entender", de alguma forma, a não aceitação do grupo (ou de alguém em especial).

Ao carregarmos uma série de complexos e recalques íntimos, nas situações de não integração ao grupo, acabamos ligando uma coisa à outra. Ou seja, basta que o botão do "perigo" seja acionado para que nossa mente gere infindáveis razões para dar sentido à experiência de rejeição.

Nesse momento, estamos sujeitos a fazer associações incorretas dos motivos, isto é, "achamos" que não fomos aceitos por alguma razão em particular e, assim, nossa caixa de pandora psicológica se abre, desenterrando inquietudes de toda uma vida: "isso ocorreu – a rejeição – porque não sou muito inteligente"; "porque estou acima do peso"; "por não ser tão desinibido(a)"; "por não ter tanto dinheiro" etc.

Nesse momento, não importando a justificativa que conseguimos dar à esquiva de alguém a nossa pessoa, acabamos por dar um contorno ainda pior aos eventos, aumentando nossa sensação de inconveniência e fazendo, ao final, com que nos sintamos ainda mais inadequados(as).

É incrível, mas sempre temos à mão uma "teoria pronta" para explicar as mazelas de nossa existência.

É curioso observar esse motor interpretatório sendo desmontado na psicoterapia. Qualquer queixa de rejeição, desconsideração ou negligência social, sob uma análise cuidadosa e mais profunda, rapidamente desmorona e mostra-se um entendimento tendencioso (claro, sempre a favor do paciente) e, finalmente, resultante de uma apreciação parcial e mais emocional dos fatos.

Em última instância, não quer dizer que não sejamos, muitas vezes, desconsiderados, mas nossa vulnerabilidade consegue deixar as vivências tão piores que nesse momento perdemos nossa capacidade de reagir.

Sob essas circunstâncias é que um verdadeiro círculo-vicioso é instaurado em nossa mente, fazendo com que velhos defeitos se liguem a novos defeitos, inquietudes se liguem a outras falhas, perpetuando de forma infindável o processo.

Resumo da ópera: mais e mais nos sentimos vítimas das situações.

Aqui então é que começa o verdadeiro trabalho na clínica da psicoterapia. Mostrar às pessoas que, na verdade, elas carregam uma tendência de interpretação duvidosa e que precisaria urgentemente ser modificada.

Ainda que as pessoas sejam hostis, elas apenas nos dão aquilo que, de fato, conseguem dar. Ao ler o mundo sob essa perspectiva, aprende-se que cada um oferece apenas aquilo que tem.

É possível assim que as pessoas não nos rejeitem tecnicamente falando, mas apenas e tão somente não consigam dar aquilo de que tanto precisamos. Portanto, se houver alguma falha, é mais sensato entender que talvez a "dificuldade" esteja no outro, não em você.

Conclusão

Da próxima vez que se sentir excluído(a), não permita que seus pensamentos lhe preguem uma peça. Procure quebrar o ciclo das interpretações incorretas, mudando seu ponto de vista.

Tente assim não ocupar o papel de vítima de sua existência.

Posso apostar que, ao agir assim, você será efetivamente muito mais satisfeito(a) com sua vida e com sua personalidade e, quem sabe, consiga até se sentir um pouco melhor.

Conforme já dizia um antigo ditado: "liberdade é quando não mais nos sentimos vítimas do meio ambiente".

Não dê a ninguém a força de ser responsável por seu bem-estar. Ao agir assim, você não perpetua o seu mecanismo de rejeição pessoal.

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!