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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Alterações climáticas provocam impactos psicológicos, afirma relatório

Dr. Cristiano Nabuco

03/09/2014 09h00

© Luzzmar - fotolia

© Luzzmar – fotolia

É sabido que toda mudança climática apresenta efeitos contundentes em nosso cotidiano.

Entretanto, embora tenhamos o hábito de associar os desastres naturais a enchentes, secas ou ainda aos terremotos, um novo documento intitulado "Beyond Storms & Droughts: The Psychological Impacts of Climate Change" (em tradução livre: Além de tempestades e secas: os impactos psicológicos das mudanças climáticas), publicado pela Associação Americana de Psicologia e pela Ecoamérica, alerta para outras repercussões não perceptíveis, embora não menos impactantes, ao afetar nosso bem-estar psicológico.

Quem já não passou por uma chuva torrencial enquanto andava ou guiava o carro e experimentou apreensão ou medo incontrolável, levando tempos até conseguir superar as lembranças negativas da situação?…

Pois bem, esse novo relatório se debruça exatamente sobre estas questões e vai ainda mais além.

Veja só que interessante: estatísticas mostram, por exemplo, que o aumento ou a diminuição de temperatura está diretamente associado a uma maior procura de serviços de saúde mental, pois tais alterações climáticas provocam grande estresse em pessoas mais frágeis (como em crianças e indivíduos na terceira idade), além de representar uma carga adicional de atenção que recai sobre os respectivos cuidadores e que necessitam, por sua vez, dispor de mais cautela e precaução na transferência de seu zelo, impactando assim sua rotina de vida.

As evidências, inclusive, não dizem respeito apenas aos países de climas mais extremos, onde as mudanças seriam mais severas, mas afetam igualmente localidades com temperaturas estáveis e amenas.

Um ponto que foi levantado diz respeito ao fenômeno denominado de "Solastalgia" – que pode ser descrito como a percepção de modificações do entorno físico decorrentes das mudanças meteorológicas.

© mb67 - fotolia

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Imagine, por exemplo, as oscilações que são vivenciadas por uma pessoa em casos de rápidas inundações. O fenômeno psicológico experimentado caracteriza-se pelos sentimentos de perda, choque e desolação. As consequências emocionais, inclusive, manifestam-se igualmente em ambientes de uma mudança ambiental mais lenta, como em situações de seca prolongada, a exemplo de como acontece no nordeste de nosso país.

Nas condições onde as alterações se mostram irreversíveis, como em ambientes afetados pela elevação progressiva das marés ou aumento dos níveis de um rio, foi apontada a ocorrência de sentimentos de desesperança, frustração e fatalismo. Na literatura, tais episódios são denominados de ecoansiedade ("ecoanxiety") e são responsáveis, muitas vezes, pelo aparecimento de quadros de depressão, pois evocam sentimentos de falta de controle e resignação frente à condição na qual nada poder ser feito para evitar ou mesmo conter a mudança ambiental.

Outra variável apontada com frequência é a sensação da perda da autonomia. Imagine, por exemplo, os inconvenientes causados pelo frio ou calor extremos, limitando nossa movimentação ou ainda danificando propriedades ou moradias onde, muitas vezes, os danos são irrecuperáveis (vamos nos recordar que muitas pessoas simplesmente não possuem recursos para reconstruir sua vida).

O relatório também aponta para a perda de outra dimensão psicológica denominada de identidade pessoal. Vamos lembrar que certos objetos, como fotografias ou presentes, carregam um forte valor simbólico-afetivo e que, muitas vezes, são perdidos pelas mudanças climáticas mais abruptas.

Além disso, o impacto psicológico destas oscilações pode ser tão drástico a ponto, inclusive, de levar ao desenvolvimento de estresse pós-traumático em certos indivíduos. O relatório apontou uma forte correlação entre os episódios desta natureza e o consumo de álcool e drogas, bem como o aumento das taxas de suicídio.

Assim, da próxima vez que a televisão mostrar alguém sendo ajudado por ter sido impactado pelo tempo e suas mudanças, lembre-se que além dos bens patrimoniais, pode existir o sentimento de ter sido psicologicamente devastado pelo acontecimento.

Infelizmente, nossa vida emocional é muito frágil e extremamente suscetível a qualquer tipo de alteração mais brusca, seja derivada das relações humanas, seja advinda do clima.

Assumindo que as previsões relativas às mudanças se concretizem em termos de aquecimento global e degelo nos polos, desmatamento da Amazônia, falta de chuva no sudeste etc, o que seria de nosso equilíbrio emocional? Como se já não bastassem os problemas do cotidiano, não é mesmo?…

Seria bom ficarmos atentos!…

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!