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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Por que eu quero que meus filhos falhem?

Dr. Cristiano Nabuco

10/07/2014 09h00

Weseetheworld - Fotolia

Weseetheworld – Fotolia

Eu sei, é uma colocação bastante polêmica, mas vamos compreender um pouco melhor minha posição.

Atualmente, os filhos são orientados para que atinjam a plenitude de suas competências junto com a chegada da maioridade, ou seja, semelhante a um investimento econômico ou uma previdência privada em longo-prazo; os filhos devem, segundo a ótica dos pais, ser capazes de estar plenamente capacitados para enfrentar o mundo adulto tão logo estejam concluindo seus estudos secundários e adentrem na maioridade.

Assim, de acordo com o nível sociocultural de cada família, algum tipo de oportunidade sempre será estendida aos pequenos, pois, desta forma, "melhor preparados" eles estarão.

Ao exercerem de maneira contínua e ininterrupta sua vigilância, os pais, ironicamente recebem na língua inglesa a denominação de "helicopter parents", ou seja, ao sobrevoarem o cotidiano dos filhos como se fossem helicópteros, asseguram para que tudo possa, efetivamente, ficar dentro do controle.

Ocorre que, enquanto tudo estiver saindo dentro do planejado, os anos passam e "todos ficam felizes" (pelo menos é assim que muitos pais acreditam ocorrer).

Entretanto, ao direcionar suas ambições à vida dos pequenos, sem perceber, muitos destes cuidadores simplesmente se esquecem de considerar que inevitáveis revezes sempre se apresentarão. Usando de um pensamento mágico, os pais não incluem no cardápio dos acontecimentos futuros a possibilidade de que os filhos possam, em algum momento de sua vida, vir a fracassar.

E aqui tem início um dos grandes dilemas familiares do século 21.

O descompasso criado entre expectativas dos mais velhos com a realidade vivida por cada filho torna à mostra a óbvia falha de planejamento e realismo, colocando em risco todos os esforços destinados.

Calma, eu explico.

Com este tipo de orientação que fora recebida, os jovens até podem se tornar, nas fases adultas, intelectualmente treinados, mas, na verdade, poderão igualmente estar despreparados para lidar com o cotidiano dos relacionamentos, do estresse, do corpo-a-corpo competitivo e das montanhas russas emocionais, tão frequentes nos dias de hoje.

Como foram extensivamente protegidos, os jovens não tiveram a possibilidade de exercer ou praticar ações ligadas ao enfrentamento dos sentimentos de inabilidade pessoal, decepção e frustração e, assim, anos de preparo começam a pesar sobre seus pequenos ombros ao concluírem, erroneamente, sua condição de inexperiência e baixa autoestima.

Muitos deles se tornaram capacitados para gerir várias ações profissionais, mas totalmente ineficientes no manejo das dificuldades pessoais.

Nesse momento, os jovens até estão conscientes de suas competências técnicas, não se sentem fortes o bastante para lidar com as adversidades emocionais da vida.

Ao se aperceberem disso, muitos se lançam inadvertidamente ao consumo excessivo de álcool, drogas, nas mais variadas formas de prostituição emocional tão encontradas nas baladas (onde todos ficam com todos), tendo como um único e simples objetivo que é o de se anestesiar a respeito da percepção de que "algo" (não muito claro), lá no fundo, não vai bem.

Ou seja, sem perceber, alguns pais acabaram preparando seus filhos muito mais para a realização e muito pouco, ou quase nada, para as falhas e para o insucesso em certos momentos da vida.

Assim sendo, você pode até achar que minhas colocações são polêmicas, mas, para ser bem honesto, o que eu quero, sim, é que meus filhos falhem, e falhem bastante em sua infância e adolescência para que eles possam, auxiliados por mim e pelos mais velhos, começar a construir e delinear suas capacidades de resiliência emocional e de enfrentamento e tenham, no final das contas, mais preparo e tolerância para lidar na vida adulta com os dissabores da vida – o que se chama popularmente de inteligência emocional e que se torna, na maioria das vezes, mais determinante do que a própria educação formal um dia recebida.

Quer uma pista para tentar saber como está sendo seu preparo junto aos seus pequenos? Simples: se eles hoje estiverem próximos (emocionalmente) o bastante de você, posso lhe afirmar que seu trabalho está sendo bem feito, parabéns.

Entretanto, caso depois de anos e de empenho pessoal enquanto pai ou mãe, seus filhos tenham, de alguma maneira, se tornado distantes ou até, em casos mais expressivos, se tornado seus inimigos, fique atento. Isso pode, na verdade, ser um forte indicativo de que suas expectativas foram irrealistas, danificando a vida emocional daqueles que um dia nos propusemos a cuidar.

Na psicologia infantil existe a velha premissa "do retorno", ou seja, aquilo que nossos filhos nos devolvem hoje em forma de comportamento; seguramente é o mesmo que eles entenderam um dia ter recebido de nós enquanto pais. Portanto, reveja enquanto é tempo e auxilie-os a se tornarem confiantes de si mesmos.

"Os bons dias nos dão felicidade. Os maus nos dão experiência. Ambos, entretanto, são essenciais para a vida". Autor desconhecido.

 

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!