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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Quando o apego e o afeto não caminham junto

Dr. Cristiano Nabuco

02/07/2014 09h00

© robodread - Fotolia

© robodread – Fotolia

Ao longo de todo o desenvolvimento da Psicologia, sempre houve teóricos que se propuseram a descrever o psiquismo humano e seus mecanismos. A história registra, por exemplo, que Wilhelm Wundt, na Alemanha (Leipzig), em 1879, teria criado o primeiro laboratório de pesquisa e de investigações.

De lá para cá, são incontáveis os esforços de algumas centenas de teóricos na procura de delinear aquilo que melhor se aproxima à descrição do funcionamento mental. Para se ter uma ideia das diferentes linhas, até a última contagem se registravam mais de 850 abordagens de psicoterapia no mundo. Entretanto, apenas uma minoria pode se orgulhar de ter sido extensivamente pesquisada e, portanto, desfrutar assim de um maior reconhecimento científico.

Um dos clínicos que merece efetivo destaque foi John Bowlby. Psicólogo inglês do século passado, empiricamente demonstrou o quanto as experiências infantis são determinantes na formação da estrutura psicológica da vida adulta.

Eu explico, pois é muito interessante.

Teoria do apego

Inicialmente, o psicanalista Bowlby rompeu com o movimento Freudiano ao dizer que "a visão que a teoria tinha da vida infantil era, na verdade, a visão de um adulto, e não a visão do ponto de vista de uma criança". Assim, começou a estudar o que o contato com os pais poderia, de fato, criar na mente dos pequenos, sem interpretações ou suspeitas, mas experimentalmente testando suas premissas.

Observou então que a criança, ao se aproximar dos pais em momentos de angústia, tem a possibilidade de modelar positivamente sua autoestima e, ao contrário, quando este contato é privado, ela pode tornar-se mais insegura e retraída.

Assim, semelhante ao reino animal, que se desloca em bandos, pois junto ao grupo se obtém mais proteção, alimentação e acasalamento, a proximidade com os pais, no caso dos humanos, igualmente aciona um dispositivo mental que, em momentos de tensão, faz com que a criança busque os mais velhos e possa, desta maneira, diminuir seu sentimento de vulnerabilidade.

Portanto, é através da atenção contínua dos cuidadores que se cria o contorno da existência psicológica infantil e que se estende, na maioria das vezes, por toda uma vida.

Desta forma, quando a criança é criada em lares estáveis, ela se torna, psicologicamente falando, mais estruturada, pois seu sentimento de segurança foi sendo "construído" através das vivências de acolhimento. Desta forma, ela naturalmente subentende (ou imagina) que sempre que momentos de tensão vierem a ocorrer, se sairá bem – a exemplo de como sempre aconteceu no passado em seu lar de origem.

John Bowlby

John Bowlby

Entretanto, quando este acolhimento não foi vivido de maneira estável e saudável, ou seja, quando nos momentos de angústia, os pais ou não acolheram a criança (ignorando-a ou não percebendo sua necessidade de proteção), ou ainda, a acolheram de maneira excessiva (criando mais tensão e confusão), seu mecanismo cerebral de apego se tornará mais acionável, pois não se sentindo protegida, conduzirá com menor grau de habilidade as situações de estresse.

É possível que, a esta altura, algum leitor possa estar pensando "grande novidade" ou "não precisaríamos de pesquisa alguma para constatar isso", entretanto, existe um pequeno detalhe aqui que possivelmente não tenha ainda sido percebido.

Quando falo em mecanismo de apego, eu não estou me referindo ao grau de "afetividade" que alguém pode dar aos seus filhos, mas ao grau de atenção às situações de perigo que uma criança pode viver e, portanto, vir a ser confortada. Perceba então que, dentro deste ponto de vista, afeto e apego são coisas completamente distintas e que podem, erroneamente, ser compreendidas como um aspecto unitário.

Afeto diz respeito ao sentimento de bem-querer que sentimos e destinamos a alguém e apego diz respeito ao comportamento de proteção ou de dar atenção às necessidades emocionais do outro – aquilo que se chama popularmente de cumplicidade.

Desta forma, algumas situações curiosas podem ser experimentadas: por exemplo, podemos vir a ser muito amados por alguém, mas é possível que esse alguém não consiga ser atento o suficiente às nossas necessidades de proteção e cuidado, criando assim um descompasso entre o afeto e o apego – uma necessidade básica biológica -, inviabilizando qualquer grau de cumplicidade e de conforto afetivo maior entre um casal.

Resumindo: as experiências iniciais de atenção que tivemos nos momentos de insegurança, balizam para bem ou para mal nossa capacidade de enfrentamento e, portanto, nossa capacidade de se relacionar na vida adulta.

Pessoas que não sabem amar

Tendo isso em mente, é muito fácil identificar aqueles que não sabem se relacionar, pois obviamente não tendo experienciado boas relações de apego em sua infância, não conseguem ser uma base segura de apoio emocional aos seus cônjuges. Há um antigo ditado que diz: "apenas podemos dar algo a alguém, se nos recordamos de já ter recebido no passado", ou seja, não conseguiremos dar conforto a uma pessoa, se nunca nos sentimos confortado por alguém em nossa história.

Assim, sempre existirão pessoas que, embora entrem em um relacionamento afetivo de maneira sincera, simplesmente não conseguirão transmitir segurança ao outro, pois não têm o registro de terem vivido isso junto aos seus cuidadores no passado.

© Andrea Danti - Fotolia

© Andrea Danti – Fotolia

Quem, alguma vez, não se relacionou com uma pessoa que lhe fez juras de amor, afirmou ser sua alma gêmea, mas que, simultaneamente lhe acusava pelos altos e baixos do relacionamento? São indivíduos que nos responsabilizam de não nos entregarmos o suficiente para a relação, criando assim verdadeiras montanhas russas emocionais, intercalando de momentos de tranquilidade com momentos de muita tensão e instabilidade. No final das contas, acabamos nos tornando profundamente desequilibrados e, em uma grande maioria das vezes, literalmente doentes, não compreendendo aquilo em que possamos ter falhado.

Veja que estas pessoas podem até nos dar afeto, mas não sabem nos transmitir a sensação de apego (ou de conforto psicológico), deixando nosso sistema mental em contínuo estado de alerta – as também chamadas relações tóxicas, pois nos induzem a uma insegurança contínua.

Assim sendo, as relações que mais perduram com o passar do tempo são aquelas em que somos nutridos de afeto, mas também de apego, ou seja, gostamos de nos sentir "gostados", mas que também protegemos e nos sentimos protegidos.

A má notícia: sem que os dois elementos estejam presentes, possivelmente uma relação poderá estar seriamente comprometida. A boa notícia: apego, além de afeto, pode sim ser aprendido e desenvolvido, solidificando os laços que compõem uma relação, tornando-a, portanto, mais perene.

Relações que são marcadas por um triângulo amoroso (relações extraconjugais), torna-se evidente que em uma pessoa se acha o afeto, enquanto que, na outra, o apego. Como precisamos dos dois aspectos psicológicos para nos mantermos equilibrados, ficamos aprisionados nas múltiplas relações. E, conforme já dizia um título antigo de livro: "Amor apenas, nunca será o suficiente".

O grande poeta português Fernando Pessoa dizia: "As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, mas o que somos". Em termos afetivos, eu diria então que "as relações (em última instância) são as pessoas. O que damos não é o que queremos, mas o que somos".

Portanto, se você deseja realizar-se em alguma relação, cuide então para que em sua vida, o afeto e o apego andem juntos.

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!