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Blog do Dr. Cristiano Nabuco

Quando o amor se torna um problema

Dr. Cristiano Nabuco

28/05/2014 09h00

© eyetronic - Fotolia.com

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Os modelos de relações afetivas passaram, ao longo do tempo, por uma expressiva mudança em seus desenhos e configurações.

Se, no passado, a origem dos relacionamentos foi associada à junção das famílias para que os filhos pudessem herdar os bens de seus pais ou ainda para selar alianças de natureza econômica ou política, seguramente esses propósitos hoje se tornaram muito mais amplos, abrindo espaço para outras possibilidades.

Anteriormente, se casar com alguém era, muitas vezes, uma decisão coletiva, nas sociedades menos rígidas, esse desenho foi alterado, colocando a decisão na mão dos parceiros.

Ao que tudo indica então, os sentimentos de afeto, paixão e amor tornaram-se um determinante elemento na tomada dessa decisão, influenciando seus componentes e catalisando os laços por toda uma vida.

O amor

Assim, se a relação é aberta, fechada, monogâmica, celibatária, mista etc., entende-se hoje que o vínculo afetivo atua como uma poderosa aliança na criação e manutenção dessa vinculação.

Entretanto, ao se olhar mais perto, muitas relações em que esse sentimento deveria servir de ponte entre seus membros, nem sempre a conexão é experimentada de maneira saudável e equilibrada. Encontramos, assim, dezenas de pessoas que vivem um amor às avessas ou, se você preferir, um amor anormal que sufoca, limita, destrói e que não é usufruído de maneira construtiva.

Dessa forma, não é raro encontramos uniões que se destacam pelo desequilíbrio e pelas formas doentias de ligação.

O amor patológico

Dados disponíveis ainda são muito escassos, mas já se encontram descrições na literatura especializada. Embora possa ocorrer em ambos os sexos, o amor patológico parece ser mais presente na população feminina, uma vez que, em geral, as mulheres consideram a relação a dois como uma prioridade em sua vida, conforme é descrito no Manual Clínico dos Transtornos do Controle dos Impulsos.

Alguns autores apontam que esse quadro, inclusive, guarda semelhanças com algumas características encontradas nas dependências de álcool e outras drogas. Assim, esse amor usualmente é vivenciado de maneira excessiva e quando o parceiro está longe ou ameaça abandonar a relação, podem ocorrem insônia, taquicardia e tensão muscular, decorrentes, portanto, dessa imensa inquietação. Vemos, nesses casos, que o ato de "cuidar do outro" ocorre em maior quantidade do que o parceiro gostaria, isto é, o sentimento de afeto é expresso de maneira extrema, gerando incalculável desconforto.

São presentes também as tentativas de controle do cotidiano do cônjuge e, muitas vezes, registra-se o abandono de várias atividades da pessoa que vive esse amor patológico, não sendo raro o desenvolvimento de problemas pessoais, familiares e profissionais em função dessa forma irracional de se amar, conforme menciona um artigo da Revista Brasileira de Psiquiatria.

O estado de estresse vivido por essas pessoas é de tal magnitude, que em grande parte das vezes a relação termina, dado o desgaste progressivo dos sentimentos de conexão.

Enfim, como se pode perceber, nem sempre se relacionar com alguém pode ser uma experiência descomplicada. Não sei se você sabe, mas além do amor patológico, existem descrições opostas, onde o medo de amar se torna a principal característica e onde falta de conexão e esquiva dos contatos emocionais é muito presente. Eu explico.

Filofobia

Filofobia (do grego: filos, que significa "amado" ou "amar", e Phobos, que significa "medo") é o nome dado ao medo de se apaixonar. Indivíduos com filofobia tendem a evitar as chances de se apegar a alguém e podem começar a evitar os amigos, familiares e outras pessoas como forma de se proteger dessa possibilidade. Assim negam, categoricamente, quaisquer sentimentos que possam vir a sentir por alguém que lhes seja preferido.

Tais pessoas expressam desconforto, nervosismo, taquicardia e ansiedade quando pensam em ficar expostos a situações que possam criar algum tipo de afeto ou de vinculação. Em casos mais extremos, as pessoas relatam sintomas como suor, tremor, náuseas e até falta de ar, apenas por considerar essa perspectiva eventual de conexão.

Supõe-se que as causas da filofobia estejam relacionadas a relações traumáticas vividas no passado ou rupturas dolorosas que tenham gerado altos níveis de estresse emocional e desgaste.

Aparentemente, tal quadro carece de maior fundamentação científica, entretanto, lá está ele descrito no menu das fobias que podem ser vividas por alguém.

Se o amor patológico é mais predominante nas mulheres, seria a filofobia mais presente nos homens?… Para se pensar!…

Conclusão

Independentemente dessas patologias ou dos nomes dados a elas, o fato é que cada vez mais observamos uma grande dificuldade das pessoas em se conectar a outras em um estilo que seja normal, maduro e sensato. Hoje, tenho a impressão que muitos vínculos primam pelo conflito e pelo antagonismo entre seus membros. E, apesar disso, lá permanecem os casais juntos, infelizes, por anos a fio, um culpabilizando o outro.

Devo confessar que, como psicoterapeuta, tenho certa dificuldade em compreender, de fato, por que existe tanto receio em se entregar efetivamente a alguém.

Não sei se, no fundo, as pessoas se tornaram tão autocentradas, que fazer, vez ou outra, algum tipo de concessão, se tornou sinônimo de constrangimento e de diminuição. E, na verdade, vejo que tais relações mais parecem um jogo de força do que propriamente alguma forma, ainda que primitiva, de parceria e de exercício de cumplicidade.

Dessa maneira, verifica-se uma enorme legião de pessoas solitárias, amargas, mas que sempre estão na busca de alguém que lhes seja significativo, todavia, quando encontram esse alguém, usualmente até podem responder aos seus contatos, mas raramente correspondem afetivamente.

Assim, pessoas estão bonitas, bem vestidas, frequentando ótimos lugares, mas sozinhas por conta de suas incompetências emocionais.

Quer fazer um favor a você mesmo?… Não deixe que as relações afetivas se tornem um obstáculo. Alguém infeliz jamais pode fazer outro feliz, portanto, busque ajuda. Aprimore-se e enfrente seus medos.

Não deixe que o amor se torne um problema.

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Para mais informações a respeito de tratamento gratuito do amor patológico

no Instituto de Psiquiatria/HCFMUSP, acesse: www.amiti.com.br

Sobre o autor

Cristiano Nabuco é psicólogo e atua em consultório particular há 32 anos. Tem Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atualmente trabalha junto ao PRO-AMITI do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP; Coordena o Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e o Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Foi Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Publicou 13 livros sobre Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental.

Sobre o blog

Neste espaço, são discutidas ideias e pesquisas sobre comportamento humano, psicologia e, principalmente, temas que se relacionam ao cotidiano das pessoas. Assuntos centrais na construção de nossa autoestima, felicidade e vida. Seja bem-vindo(a)!